Nova Iorque
CNN
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O apocalipse do varejo, como muitos chamam, ressurgiu com força em 2024, trazendo à tona preocupações sobre o futuro das lojas de varejo nos Estados Unidos. Um relatório da Coresight Research revelou que mais de 7.300 lojas fechadas ocorreram apenas no último ano, um aumento de 57% em relação a 2023. Essa estatística marca o maior número de fechamentos anuais desde 2020, ano em que a pandemia causou uma séria interrupção nas atividades comerciais por todo o país.
O que é particularmente alarmante é que algumas das cadeias mais reconhecidas e amadas da América decidiram fechar suas portas. A Family Dollar, por exemplo, encerrou 718 lojas. CVS e Walgreens, em conjunto, fecharam mais de 1.000 lojas. Outras como Big Lots encerraram quase 600, enquanto a LL Flooring se despediu do mercado. A Party City está em processo de liquidação, e a Container Store teve que entrar com pedido de falência, podendo encerrar algumas das suas 100 unidades.
Em conjunto com o fechamento das lojas, as cadeias de restaurantes também diminuíram em número. Instituições como Red Lobster e TGI Fridays entraram com pedidos de falência, enquanto Denny’s e Applebee’s anunciaram grandes encerramentos. O aumento dessas interrupções no setor de varejo e alimentação revela a fragilidade do mercado e o impacto das mudanças econômicas e sociais influenciadas por uma alta inflação e competitividade intensa.
Não existe uma única razão para esse aumento no número de fechamentos de lojas, mas vários fatores comuns emergem. Essas redes enfrentaram a mais alta inflação em 40 anos e competem com rivais maiores e melhor posicionados. Além disso, muitos cometeram erros estratégicos, como a superexpansão ou a incapacidade de se adaptar rapidamente ao comércio eletrônico.
“Consumidores sensíveis ao preço estão em busca das melhores ofertas e as encontram online”, disse Deborah Weinswig, CEO da Coresight Research. De acordo com Weinswig, a paciência dos consumidores com lojas que apresentam dificuldades de acesso, falta de produtos em estoque constante e mau atendimento foi embora, levando-os a explorar outras opções mais convenientes.
O fechamento de lojas foi exacerbado pela retração do consumo observada quando a euforia do varejo, que se desenrolou entre 2020 e 2022, chegou ao fim. Nos primeiros anos da pandemia, os consumidores compraram novos sofás e televisores, mas a pressão inflacionária e o aumento nas taxas de juros tornaram esses itens mais caros de adquirir, levando os consumidores a reduzir gastos com bens não essenciais. Esta mudança forçou muitos varejistas a reavaliar seus modelos de negócios e, portanto, a encerrar operações que não eram sustentáveis.
A pressão da concorrência também foi um elemento crucial nas dificuldades enfrentadas por cadeias de médio porte, como Family Dollar e Big Lots. Gigantes como Amazon, Walmart e Costco têm a capacidade de adquirir grandes volumes de produtos a custos reduzidos, o que dificulta a concorrência para os pequenos players que enfrentam dificuldades financeiras e, muitas vezes, com dificuldades tecnológicas.
Um ano brutal para o varejo médio
A escalada no fechamento de lojas neste ano é um eco dos anos que precederam a pandemia, quando milhares de varejistas já enfrentavam dificuldades devido ao rápido crescimento das compras online. As vendas online, que eram cerca de 6% de todas as vendas no varejo em 2014, subiram para 12% no início de 2020, representando quase 16% das vendas totais neste ano. Este cenário do comércio eletrônico contribui para um fechamento contínuo de lojas físicas que não souberam se adaptar ao novo paradigma de consumo.
Nos anos de 2017 e 2018, as redes varejistas fecharam um total de 13.400 lojas. Em 2019, um recorde de 9.800 estabelecimentos foi encerrado. Marcas como Payless e Shopko foram algumas das muitas que sentiram a pressão e sucumbiram à falência. No entanto, a pandemia em 2020 eliminou algumas das últimas cadeias mais fracas, levando ao fechamento de 9.700 lojas.
Os varejistas que sobrevivem à pandemia experimentaram um aumento em 2021 e 2022, impulsionados por pagamentos de estímulo federal e por um consumo avassalador dos consumidores, desejoso de compensar o tempo isolado em casa. Porém, essa recuperação se revelou apenas uma breve ilusão, em vez de uma melhoria permanente.
O Container Store exemplifica uma empresa que teve que enfrentar a realidade após o boom pós-pandemia. Em 2021, a demanda por seus produtos foi alta enquanto os consumidores gastavam. No entanto, a mudança brusca no mercado imobiliário, onde os preços das hipotecas atingiram os níveis mais altos em duas décadas, teve impacto direto nas vendas de suas lojas, pois muitos consumidores adiaram aquisições de imóveis e itens de grande valor.
O Container Store enfrentou também desafios com consumidores que passaram a procurar por promoções e cortaram gastos em compras discricionárias após anos de aumentos de preços. Além disso, mesmo consumidores mais abastados estão reavaliando seus hábitos de consumo, buscando opções de preços mais baixos, o que prejudica ainda mais as vendas. Recentemente, a Container Store fez um pedido de falência, poucos dias antes do Natal.
Cadeias de desconto e farmácias em dificuldades
Os varejistas de desconto menores, que atendem clientes de baixa e média renda, foram igualmente afetados. A Family Dollar, por exemplo, enfrentou dificuldades quando seu público-alvo, já impactado pela inflação, começou a cortar gastos com produtos básicos, preferindo comprar em grandes redes como Walmart, que se tornaram suas principais fontes de suprimento.
Da mesma forma, outras cadeias de desconto enfrentaram tribunais e acordos financeiros difíceis. A Big Lots entrou com pedido de falência em setembro e anunciou o fechamento de centenas de lojas, mas conseguiu um acordo de última hora para manter abertas as 900 restantes. A 99 Cents Only deixou de operar permanentemente, fechando 371 de suas unidades.
As cadeias de farmácias também estão diminuindo em número. A CVS, Walgreens e Rite Aid anunciaram o fechamento de mais de 1.000 lojas, resultado de uma expansão desenfreada nas décadas de 1990 e 2000. Elas não conseguiram prever mudanças nos reembolsos de medicamentos e a concorrência imposta pelas grandes redes varejistas.
Greg Portell, um parceiro sênior da consultoria Kearney, apontou que “varejistas que foram financeiramente falidos, pouco diferenciados ou que esqueceram de como servir os clientes enfrentaram dificuldades”. Essa afirmação revela a importância de adaptação e inovação constante no ambiente varejista global.
O varejo não está morto
Apesar dessas dificuldades, os especialistas afirmam que muitos dos tendências observadas continuarão a se manifestar em 2025, especialmente se o presidente eleito Donald Trump implementar tarifas abrangentes sobre produtos importados.
Trump ameaçou impor tarifas de 25% sobre produtos do México e do Canadá, e uma tarifa adicional de 10% sobre bens provenientes da China. Tarifas são impostos sobre produtos importados que, em geral, acabam sendo repassados ao consumidor na forma de preços mais altos. Essa situação levanta questionamentos sobre como os varejistas poderão assegurar sua competitividade e a satisfação do consumidor.
“Os varejistas devem esperar uma degradação contínua do varejo médio”, alertou Portell. No entanto, essa não é a sentença final para o varejo tradicional. Marcas de sucesso estão se posicionando para novos espaços de varejo e restaurantes que se tornaram disponíveis.
Na verdade, grandes cadeias anunciaram quase 6.000 aberturas de lojas no último ano, um aumento de 6,5% em comparação a 2023, com muitas empresas buscando atender o apetite dos caçadores de pechinchas.