Quando se fala sobre a presidência de Jimmy Carter, muitas vezes é fácil esquecer as nuances de sua política externa. Enquanto muitos se concentram na crise dos reféns no Irã, que ofuscou seu mandato, o legado de Carter é, na verdade, muito mais profundo e diversificado. A trajetória de Carter na política internacional representa um importante desvio das práticas de seus predecessores, incluindo um comprometimento inabalável com os direitos humanos e a diplomacia como ferramentas para a paz mundial. Com isso, podemos explorar os aspectos fundamentais que moldaram sua política e como eles impactaram tanto a sua presidência quanto o cenário internacional.
Nos primeiros meses de seu governo, em maio de 1977, Jimmy Carter fez um discurso de formatura na Universidade de Notre Dame, onde delineou uma nova abordagem para o papel da América no mundo. Ele declarou que os direitos humanos deveriam ser um “princípio fundamental de nossa política externa”. Essa afirmação representou uma ruptura drástica com a política externa do presidente Richard Nixon, que havia intensificado os bombardeios secretos no Sudeste Asiático durante a Guerra do Vietnã, causando imenso sofrimento no Camboja e em Laos, como mostram os documentos de história da época. Kissinger, então Secretário de Estado de Nixon, promoveu a derrubada do governo socialista democraticamente eleito de Salvador Allende no Chile, em 1973, e posteriormente deu apoio tácito a regimes ditatoriais na Argentina, que resultaram no “Guerra Suja”, levando à morte de dezenas de milhares de opositores políticos. Carter, por sua vez, queria interromper esse suporte a ditadores, enfatizando a necessidade de apoiar os direitos humanos e buscar a paz, especialmente no Oriente Médio, o que acabou sendo parte do seu legado duradouro, mesmo que parcialmente ofuscado pela crise dos reféns no Irã.
Logo após assumir o cargo, Carter enviou uma carta ao dissidente soviético Andrei Sakharov, uma ação que irritou o regime soviético, mas que foi vital para fortalecer o movimento dissidente na União Soviética. Essa coragem foi um reflexo de sua convicção nos direitos humanos como prioridade fundamental da política externa americana. A determinação de Carter se manifestou também em sua decisão de devolver o Canal do Panamá ao governo panamenho, um tema que havia se tornado símbolo do colonialismo americano. Apesar do descontentamento popular, com pesquisas mostrando que metade dos americanos se opunha à devolução do canal, Carter buscou corrigir o que via como um erro histórico, e conseguiu obter uma votação favorável ao tratado no Senado dos EUA.
Ainda mais significativo foi o papel de Carter nos Acordos de Camp David, que trouxeram uma paz duradoura entre Israel e Egito após muitos conflitos. A intermediação de Carter nesse acordo, durante 13 dias intensos de negociações em setembro de 1978, foi essencial para que líderes opostos, como Menachem Begin e Anwar Sadat, chegassem a um consenso. James Fallows, que atuou como redator-chefe de discursos de Carter, revelou em entrevistas que as negociações só foram possíveis devido à diligência e ao conhecimento amplo de Carter sobre a situação no Oriente Médio.
Carter também foi responsável por formalizar as relações diplomáticas com a China, um passo que estabeleceu as bases para a maior parceria comercial da história. Apesar de sua imagem pacifista, ele também começou a apoiar os mujahidins afegãos contra a invasão soviética no Afeganistão em 1979, uma decisão que teve repercussões significativas na Geopolítica contemporânea e que compartilha um paradoxo na compreensão do legado de Carter.
A Crise dos Reféns no Irã e Seus Efeitos sobre o Legado de Carter
Entretanto, é a crise dos reféns no Irã que dominou a percepção pública sobre a presidência de Carter. Em 1979, revolucionários islâmicos tomaram a embaixada americana em Teerã, sequestrando mais de 50 americanos e provocando uma crise diplomática sem precedentes que durou 444 dias. A ideia de que o governo de Carter não conseguiu proteger seus cidadãos de uma violência tão extrema se tornou a narrativa predominante sobre seu governo, ofuscando suas realizações e atribuindo à crise um peso desproporcional em sua avaliação histórica.
A crise foi precipitada pela decisão de Carter de conceder asilo ao xá do Irã, cuja presença nos Estados Unidos foi amplamente odiada pelos revolucionários. A operação de resgate dos reféns, nomeada Operação Águia, foi um fracasso trágico, exacerbado por problemas logísticos e operacionais, resultando na morte de oito servicemen americanos. Esse incidente não apenas comprometeu a imagem de Carter, mas também expôs falhas na coordenação das forças armadas americanas, levando à reformulação de comandos e estratégias militares nos anos subsequentes.
No entanto, mesmo considerando a crise dos reféns, o legado de Carter não pode ser plenamente avaliado apenas por esse episódio. Ele também é lembrado como o presidente que negociou a paz entre rivais históricos, abriu as portas da diplomacia com a China após décadas de isolamento e comprometeu-se seriamente com a defesa dos direitos humanos em sua política externa, num momento em que prevaleciam regimes autoritários. Carter menciona frequentemente, em entrevistas, que gostaria de ter feito mais pelos reféns, e mesmo que alguns possam ver isso como um desejo idealista, a verdade é que o desafio em si de resgatar cidadãos americanos em um ambiente hostil era monumental.
Portanto, Carter merece uma reavaliação do seu legado. Contribuições significativas à paz mundial e ao progresso dos direitos humanos não podem ser negligenciadas em favor de um único incidente infeliz. O compromisso de Carter com a diplomacia e a justiça deixou uma impressão duradoura que ainda ressoa nas atuais políticas externas dos Estados Unidos. Assim, o legado de Jimmy Carter como comandante-chefe deve ser considerado dentro de um contexto mais amplo que evite reduzir sua presidência à sombra de um único acontecimento.