No fechamento de seus dois mandatos como Cirurgião Geral dos Estados Unidos, Vivek H. Murthy apresenta uma reflexão profunda e necessária sobre as questões que afligem a sociedade americana contemporânea. Em sua nota final, divulgada no dia 10 de outubro de 2023, Murthy instiga os americanos a reavaliarem suas vidas, ressaltando a necessidade premente de relações significativas, do serviço ao próximo e de um propósito que traga sentido à existência. Essas questões, segundo ele, são fundamentais para a melhoria da saúde mental e física da população e para aumentar a sensação de bem-estar em um cenário de crescente descontentamento.
Murthy inicia sua abordagem pessoal com uma potente lembrança de seu pai, que cresceu em uma pequena vila agrícola na Índia. A história de vida de seu pai, que nunca teve a sensação de vazio até deixar sua terra natal, ilustra a importância da comunidade e do cuidado mútuo. Em sua aldeia, a convivência pacífica e o apoio comunitário eram evidentes, pois os moradores compartilhavam não apenas o alimento e o cuidado com as crianças, mas também um profundo conhecimento sobre as histórias uns dos outros. Em contraste, Murthy questiona o que acontece com os americanos modernos, que muitas vezes sentem-se isolados e desconectados, mesmo em uma época em que os meios de comunicação parecem permitir uma maior conexão. Isso leva a uma reflexão crucial: essas interações superficiais nas redes sociais realmente substituem os laços profundos que são essenciais para o bem-estar humano?
Ao refletir sobre sua experiência como cirurgião geral, Murthy se depara com questões mais amplas. Ele aponta que, apesar de fatores bem conhecidos que contribuem para o estresse, como a crise econômica e as notícias alarmantes do cotidiano, existe um vazio persistente que não pode ser preenchido apenas com ações isoladas. Para ele, existem três elementos fundamentais que alimentam a realização e o bem-estar humano: relações, serviço e propósito. Esses pilares formam um triângulo que, se bem cultivado, pode proporcionar não só uma vida mais plena, mas também reduzir riscos associados a doenças cardíacas, depressão e morte precoce.
Entretanto, Murthy observa que, atualmente, esses três elementos estão se esvaziando de nossas vidas. Um em cada três adultos e cerca de metade dos jovens sentem-se solitários, e muitos afirmam não ter envolvimento em ações de serviço, nem uma percepção clara de propósito. A predominância de uma mentalidade focada no sucesso como fama, riqueza e poder, acaba por deixar essas dimensões humanamente ricas à margem. O alerta do cirurgião geral é claro: o sucesso superficial não substitui a satisfação que vem de um compromisso genuíno com os outros e com a vida em comunidade.
Mas como podemos resgatar essa vitalidade que parece escassa? Murthy sugere que cada um de nós pode agir a partir de pequenas mudanças: seja ajudando alguém diariamente, ligando para um amigo para saber como está ou conversando com nossos filhos sobre a importância de contribuir para a vida de outros. A nível de comunidade, existem formas de fortalecer a participação em programas de serviço nacional e iniciativas locais que promovam a interação e a construção de laços. No âmbito organizacional, o cirurgião geral defende que tanto empregadores quanto instituições educacionais reavaliem suas prioridades, integrando os valores de relações profundas, serviço e propósito em suas culturas e práticas.
Murthy enfatiza que a transformação da sociedade não se dá da noite para o dia. É importante que todos nós tenhamos a coragem de reconfigurarmos nossas vidas, escolhendo o caminho da saúde, da felicidade e da realização. Ele conclui sua reflexão com uma mensagem pessoal: ao longo de sua carreira, os ensinamentos mais valiosos que recebeu vieram de pacientes em seus leitos de morte, que nunca mencionaram suas conquistas materiais, mas sempre destacaram o que realmente tinha importância em suas vidas — as pessoas que amavam, aquelas que serviram e as vidas que tocaram. Com isso em mente, ele propõe que a verdadeira busca pelo sucesso deve se pautar por esses valores essenciais, reforçando sua prescrição final para a sociedade americana. A felicidade e a plenitude podem, assim, ser redescobertas ao centralizarmos nossas vidas em relações genuínas, no serviço ao próximo e na busca por um propósito que realmente ressoe em nosso ser.