Na pequena capital de Transnistria, uma microestado autodeclarado situado entre a Moldávia e a Ucrânia, as luzes festivas do Ano Novo se apagaram antes do tempo. A região, que gojou de uma era de prosperidade e estima-se que abriga mais de 300.000 habitantes, enfrentará uma grave escassez de energia nas próximas três semanas, conforme declarado por Vadim Krasnoselsky, o chefe do governo apoiado pela Rússia. Uma situação impensável para muitos, mas que agora é realidade.
Transnistria, que outrora se gabava de sua independência e riqueza em comparação com a Moldávia, agora vê seus habitantes queimando madeira para se aquecer em meio a longos apagões. A crise energética se intensificou após Moscovo interromper o fornecimento de gás natural através de gasodutos na Ucrânia destinados à Europa. Esta interrupção resultou em uma declaração de estado de emergência por parte das autoridades de Transnistria. Os oficiais da região enfatizam que não estão apenas enfrentando uma crise de energia, mas também uma crise humanitária de grande magnitude. Especialistas analisam o fato de que esta descrição não reflete a gravidade do problema, levantando questionamentos sobre a futura existência desta entidade de fato.
Vadim Pistrinciuc, diretor do Instituto das Iniciativas Estratégicas (ISI), um think tank localizado na Moldávia, destacou à CNN que a situação é uma questão existencial para Transnistria. Na prática, a região está em uma crise energética não planejada, e a falta de soluções rápidas pode acarretar caos. O que levou a essa crise? Como a população de Transnistria está lidando com isso? Vamos explorar essas questões neste artigo.
Como a crise começou e a preparação das nações vizinhas
A crise surgiu após anos de fornecimento contínuo de gás russo que fluía através da Ucrânia para a Moldávia e outros países europeus. O último acordo de trânsito com Kiev, assinado antes da invasão em larga escala da Rússia à Ucrânia em 2022, expirou em 1º de janeiro. A Ucrânia, ciente da delicada situação, anunciou semanas antes que não renovaria o contrato e cumpriu essa promessa.
Enquanto alguns países europeus se prepararam para o corte de gás, como a Áustria, que buscou alternativas, Transnistria ficou à mercê desta interrupção. Desde a sua separação da Moldávia em 1990, a região dependia inteiramente do gás russo, transportado através dos gasodutos da Ucrânia e, na maioria das vezes, sem custo. Agora, sem alternativas viáveis, a escuridão se aproxima rapidamente.
O impacto na vida cotidiana em Transnistria
Com a celebração do Natal Ortodoxo interrompida por planos de racionamento de energia, o governo autoproclamado de Transnistria anunciou cortes diários de energia de até oito horas. Os cortes foram fundamentais, já que o consumo de eletricidade aumentou quatro vezes recentemente, em grande parte devido à falta de gás para aquecimento, forçando os residentes a dependerem de aquecedores elétricos que colocam uma pressão enorme na rede elétrica antiga e precária da região. O presidente, Vadim Krasnoselsky, foi claro ao afirmar que “o sistema criado durante o período soviético não está dando conta”.
Vídeos compartilhados online mostram os cidadãos de Transnistria adaptando-se a esta nova realidade. Cozinhar refeições em mini fogões elétricos e queimando lenha e carvão para aquecer as casas se tornaram práticas comuns e, em muitos casos, perigosas. O fornecimento de água quente foi restrito e, em algumas situações, moradores começaram a ferver água em chaleiras e tomar banhos usando baldes.
Tragicamente, a falta de instalações adequadas gerou um aumento nos casos de intoxicação por monóxido de carbono, incluindo um caso fatal. No entanto, o governo não mostra sinais de que um alívio está a caminho, já que o ministro de desenvolvimento econômico de Transnistria informou que as reservas de gás da região só durarão por mais 24 dias.
Moldávia também sente os efeitos da crise energética
Embora a Moldávia também tenha sido afetada pela falta de gás, a situação não é tão severa quanto a de Transnistria. Antes da invasão russa, o país dependia quase inteiramente do gás russo. No entanto, após cortes significativos da gigante de energia russa Gazprom e um aumento brutal nos preços dos combustíveis, o governo moldavo reagiu rapidamente, buscando fornecedores alternativos na Europa. Mesmo com a suspensão das compras de gás da Rússia, a Moldávia ainda depende de grandes quantidades de energia de Transnistria, que gera eletricidade utilizando gás russo à partir da usina de Cuciurgan.
A usina de Cuciurgan em Transnistria transforma gás russo em eletricidade, algumas das quais são vendidas para a Moldávia.
Agora que os fornecimentos de gás foram cortados, a usina vem produzindo consideravelmente menos energia, forçando a Moldávia a buscar energia emergencial nos mercados europeus, a um preço quase duas vezes mais alto. A situação é preocupante, pois o governo moldavo planeja prestar assistência àqueles que fogem dos frios severos e da escassez de energia em Transnistria.
Transnistria irá aceitar ajuda da Moldávia?
A Moldávia ofereceu vender gás e energia para Transnistria, mas as autoridades em Tiraspol demonstram pouca intenção de aceitar a oferta. Em vez disso, a liderança da região se esforça para culpar a Moldávia pela crise, alegando que o governo moldavo está tentando estrangular Transnistria, forçando-a a renunciar às suas reivindicações de soberania.
A situação em Transnistria é um reflexo da dependência econômica e da falta de preparação para emergências. Com 30 anos sem avanços significativos na infraestrutura e dependente do gás russo, os habitantes agora enfrentam uma nova realidade que deve ser abordada com seriedade. Se os líderes de Transnistria se recusarão a aceitar a ajuda de um governo que veem como adversário, permanece uma incógnita, mas a crise pode precipitar decisões drásticas a serem feitas em um futuro próximo.
O papel da Rússia nesta crise
A Rússia, que poderia fornecer gás para a Transnistria, decidiu não o fazer. Embora o país não possa mais transitar gás pela Ucrânia, ainda existem outros gasodutos que passam pelo Mar Negro via Turquia, embora a custos superiores ao que estavam acostumados. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, comentou que a situação é “crítica”, mas que as “decisões das autoridades ucranianas e moldavas” privaram Transnistria do gás natural. Ao mesmo tempo, Peskov criticou os Estados Unidos por supostamente lucrar com a crise, aumentando suas exportações de gás para a Europa.
Apesar da gravidade da situação, a Rússia pode se beneficiar ao permitir a continuidade da crise em Transnistria, alegando que apoia a população local. Para Moscovo, é uma oportunidade de promover desestabilização na Moldávia, uma nação que se encontra em um delicado caminho político entre a influência ocidental e seus laços históricos com a Rússia. Observadores locais alertam que a crise pode desencadear um deslocamento em massa de residentes, levando à instabilidade na Moldávia. Portanto, o futuro de Transnistria e suas relações com a Moldávia são mais complexos e interligados do que se poderia imaginar.
À medida que a crise avança, a população de Transnistria se vê em um dilema emergente. A necessidade de suprimentos de energia é crítica, mas a forma como a região lida com sua soberania e sua relação com a Moldávia determinará o que vem a seguir para seus cidadãos. O que está claro é que os tempos de fartura se foram; agora, eles enfrentam um inverno inclemente como um desafio que pode moldar o futuro da região.