A Ucrânia, um país que vive os efeitos devastadores de um conflito armado, testemunhou a transformação da vida de muitos de seus soldados, especialmente aqueles que sofreram ferimentos significativos. Entre esses feridos, surgem histórias de superação e redescoberta da sexualidade, como é o caso de Tetyana Tsymbaliuk, uma paramédica de combate que perdeu a perna, e Oleksandr Budko, um veterano que estrela a versão local do programa ‘Bachelor’. Este artigo explora como esses indivíduos e outros veteranos estão lidando com suas novas realidades, além de discutir a escassez de apoio adequado para a reabilitação sexual após traumas físicos significativos.
Tetyana Tsymbaliuk, de 35 anos, recuperou a consciência em um hospital e, surpresa, viu seu namorado a esperar com flores. Ele propôs casamento, mas ela hesitou. Com a amputação da perna e o trauma emocional, Tetyana sentiu-se um fardo e temia não conseguir desempenhar o papel de esposa como desejava. Sua insegurança refletia uma preocupação comum entre muitos veteranos, que acreditam que suas lesões físicos afetam sua atratividade e sua funcionalidade nas relações. “Eu percebi que antes da amputação eu era mais atraente. Eu não tinha certeza se poderia encontrar uma maneira de cumprir meu papel de mulher na família”, disse Tetyana, que enfrentou um longo caminho até recuperar sua confiança.
Após a invasão em larga escala por parte da Rússia em 2022, Tetyana se tornou uma das primeiras amputadas entre os militares ucranianos. Aproximadamente 370.000 soldados foram feridos desde então, com milhares perdendo membros. A situação é alarmante, já que muitas amputações não são oficialmente registradas pelo governo, mas programas de emergência para maquinário protético já atenderam cerca de 20.000 pessoas em 2023 e na primeira metade de 2024. O apoio psicológico e físico para esses veteranos se tornou uma necessidade urgente, mas o tema da reabilitação sexual continua a ser amplamente ignorado.
A questão da sexualidade no contexto da reabilitação é especialmente complexa na Ucrânia, onde discutir sexo ainda é um tabu. Embora os ucranianos modernos sejam mais abertos sobre o sexualidade do que na era soviética, muitos ainda se sentem desconfortáveis ao abordar o assunto. “Na nossa cultura, não temos o hábito de falar sobre sexo. Não é aceitável discutir seus problemas sexuais com estranhos ou até mesmo com um parceiro”, comentou a psicóloga militar e sexóloga Hanna Revunets. Assim, não é surpresa que muitos veteranos com amputações ou lesões graves raramente procurem ajuda em questões tão delicadas, mesmo quando confrontados com mudanças drásticas em suas vidas sexuais.
A sensação de que as lesões racionais são mais fáceis de lidar do que o impacto emocional e psicológico leva a muitos veteranos a minimizarem ou ignorarem as dificuldades sexuais que enfrentam. Os dados da investigação realizados pelo Veteran Hub em 2023 apontaram que, entre os 39 veteranos entrevistados, muitos relataram que suas vidas sexuais mudaram significativamente após a lesão, e muitos passaram a preparar e planejar relações sexuais com base nas novas limitações físicas. Além disso, algumas das informações que eles mais precisam são passadas informalmente entre as redes de veteranos, uma inadequada estratégia de apoio.
Uma linha de esperança vem da iniciativa da Veteran Hub, que se comprometeu a estudar e abordar a questão da reabilitação sexual para soldados feridos. Os pesquisadores realizaram entrevistas em profundidade com veteranos e seus parceiros, descobrindo a enorme demanda pela discussão do sexo pós-trauma. “Após a reabilitação física, as pessoas começam a perguntar se serão capazes de nadar no mar, esquiar, sair em encontros ou ter sexo. E normalmente ninguém pode responder a essas perguntas”, disse Kateryna Skorohod, gerente do projeto.
No centro deste debate está Oleksandr Budko, um veterano que perdeu as duas pernas e se tornou o primeiro homem com uma amputação dupla a estrelar o reality show “The Bachelor” na Ucrânia. O show promoveu discussões sobre a aceitação do corpo e a superação das adversidades, alcançando um público impressionante de 2,8 milhões de espectadores em um episódio de destaque. “Estávamos preocupados com a reação das pessoas ao ver um corpo com amputações em um contexto tão íntimo, mas, ao que parece, foi um desafio que valeu a pena. As pessoas se mostraram receptivas”, disse Anna Kalyna, produtora do programa.
Em suas redes sociais, Oleksandr compartilha que sua deficiência não o define e que a experiência sexual após a lesão foi, para ele, um “passo para a vida de volta”. Ele descreve como sua primeira experiência sexual após a lesão foi um marco emocional importante, um retorno à sensualidade que muitos podem perder de vista frente às suas novas realidades.
Outra voz ressignificante neste cenário é Oleksandr Batalov, um veterano que, após perder a perna em combate, decidiu participar de um curso chamado “Vida Sexual”, voltado para educar médicos e profissionais sobre a sexualidade das pessoas feridas. “Se você sobreviveu, tem que viver, pois mesmo com a lesão, minha vida é cheia e interessante. Eu quero deixar um legado de conhecimento”, compartilhou Batalov. Os desafios enfrentados por essas pessoas, além de se adequar a novas realidades corporais, incluem a pressão social sobre como cuidar dos parceiros sem acolhimento da comunidade.
Com isso, Tetyana decidiu viver plenamente. Depois de meses de reabilitação e um novo pedido de casamento, ela aceitou e casou-se com seu namorado. Juntos, eles estão construindo uma nova vida. “Não estou escondendo meu protético. Estou vivendo uma vida plena. E estou feliz”, declarou Tsymbaliuk. As histórias de Tetyana, Oleksandr e de muitos outros veteranos mostram que, mesmo em meio a tragédias, a luta pela aceitação e realização pessoal é fundamental. Como a luta por uma reabilitação que não é apenas física, mas também emocional e sexual, representa um caminho crucial para o bem-estar pós-conflito.
Reportagem colaborativa de CNN com contribuições de Victoria Butenko.