análise de DNA confirma identidade de restos de oficial condenado ao canibalismo na tragédia da expedição

Um recente estudo conduzido por arqueólogos trouxe à tona informações valiosas sobre a triste e macabra conclusão da expedição ártica do século XIX, que buscava explorar novas rotas no noroeste do Canadá. A pesquisa, publicada no Journal of Archaeological Science, revelou que os restos canibalizados pertenciam a James Fitzjames, um oficial sênior da expedição, que integrava a tripulação do HMS Erebus e que enfrentou uma penosa jornada de sobrevivência. Através da comparação do DNA encontrado nos ossos com amostras de um descendente vivo, os pesquisadores confirmaram a identidade de Fitzjames, contribuindo para esclarecer um dos mistérios mais intrigantes da história da exploração polar.

Em abril de 1848, exatamente três anos após a partida dos navios de Inglaterra, a tripulação da expedição, sob o comando do Sir John Franklin, viu-se forçada a abandonar os barcos presos no gelo devido ao falecimento de Franklin e de outros 23 membros. Fitzjames, que ficou encarregado de liderar os 105 sobreviventes, organizou uma árdua retirada sobre a terra, puxando os barcos em trenós, na esperança de alcançar a segurança. No entanto, todos os homens perderam a vida durante essa difícil jornada, cujas circunstâncias finais permanecem envoltas em mistério. O arqueólogo Doug Stenton, professor adjunto de Antropologia na Universidade de Waterloo, no Canadá, descreveu a situação como “agradavelmente errada, e muito rapidamente”, enfatizando o desespero enfrentado pelos homens.

Uma equipe de pesquisadores já havia encontrado, em 1993, 451 ossos que provavelmente pertenciam a pelo menos 13 dos marinheiros de Franklin em um local na Ilha King William, no território de Nunavut, no Canadá. Os restos identificados como pertencentes a Fitzjames no novo estudo estavam entre eles. Informações coletadas de habitantes locais Inuit na década de 1850 sugeriam que alguns membros da tripulação haviam chegado ao ponto de recorrer ao canibalismo para sobreviver. Embora essas alegações tenham sido inicialmente recebidas com ceticismo na Inglaterra, investigações feitas nas últimas quatro décadas encontraram um número significativo de ossos com marcas de cortes, evidenciando de forma silenciosa o trágico fim da expedição.

A determinação da identidade de Fitzjames dá um caráter mais pessoal a uma tragédia que por muito tempo prendeu a atenção tanto do público britânico quanto canadense, fornecendo um fechamento para as famílias dos envolvidos. De acordo com Claire Warrior, antropóloga e historiadora do Museu Marítimo Nacional de Londres, que abriga muitos itens da expedição, “esta é uma pessoa que teve uma vida e uma família, e cujas palavras temos. Ele era vibrante, entusiástico e um brincalhão.” Estes aspectos humanos reforçam o impacto emocional da descoberta, lembrando que por trás dos relatos históricos existem indivíduos com histórias de vida e legados pessoais.

Com relação à localização dos restos mortais, eles foram encontrados em uma área hoje conhecida como Erebus Bay, a cerca de 80 quilômetros ao sul de Victory Point, onde a tripulação desembarcou em busca de refúgio. O estudo sugere que Fitzjames pode ter morrido algumas semanas após a saída de Victory Point e que já podia estar em condições de saúde precárias. Os ossos foram enterrados em uma construção memorial na Ilha King William em 1994, mas em 2013, Stenton foi parte de uma equipe que voltou à ilha para coletar amostras dos restos para análise de DNA, concentrando-se principalmente nos dentes, onde o DNA frágil tem maior chance de ser preservado.

Os pesquisadores obtiveram cerca de 42 perfis de DNA arqueológico, segundo Stenton. Eles realizam comparações conforme novos perfis de descendentes se tornem disponíveis. No início de 2024, a equipe de Stenton contatou Nigel Gambier, um descendente direto de Fitzjames, identificado por um biógrafo do oficial. Gambier expressou sua alegria em contribuir, revelando seu interesse pessoal e a importância da investigação que busca descobrir os eventos que cercaram a trágica expedição. Como um oficial da Marinha Real, Fitzjames havia deixado seu legado antes de se juntar à expedição de Franklin. Depois que Gambier enviou uma amostra para análise, os cientistas descobriram que o DNA do cromossomo Y coincidiu com o do sample arqueológico, confirmando assim a identidade de Fitzjames.

A identificação de Fitzjames como o segundo membro da expedição, cuja descendência foi confirmada por análise de DNA, destaca a importância das novas descobertas arqueológicas. Em 2021, os pesquisadores já haviam estabelecido a relação entre o DNA do engenheiro-chefe do Erebus, John Gregory, e um parente vivo. Contudo, ao contrário dos restos de Fitzjames, os ossos de Gregory não apresentavam sinais de canibalismo. Além disso, na Baía de Erebus, outros três membros da tripulação também foram identificados com marcas que indicam haver sido canibalizados. Gambier refletiu sobre a desespero enfrentado, questionando como as pessoas poderiam reagir diante do extremo sofrimento e da escassez alimentar que levaram à tragédia.

O reconhecimento de um oficial de alta patente entre os membros da expedição que foi identificado como canibalizado revela quão rapidamente as hierarquias sociais se desvaneceram no contexto da luta pela sobrevivência. Stenton enfatizou que esta realidade demonstra a desesperada situação que a equipe enfrentou. A busca por mais restos mortais através da identificação de DNA poderá não apenas esclarecer as circunstâncias das mortes, mas também revelar se os restos pertenciam a homens mais velhos ou mais jovens, e se eram originários do HMS Erebus ou da HMS Terror. As recentes descobertas têm por objetivo iluminar a enigmática história da expedição perdida de Franklin, que continua a intrigar historiadores e o público em geral.

Os restos do HMS Erebus e do HMS Terror foram encontrados nos anos de 2014 e 2016, respectivamente, e a história da expedição perdida é uma fonte de fascínio contínuo, inspirando livros e produções dramáticas, como “The Terror”, uma série de televisão baseada no romance homônimo de Dan Simmons. De acordo com Warrior, a narrativa sobre a expedição “tão presente na imaginação, quanto na realidade”, ilustra as dificuldades extremas dos polos, onde a natureza pode sempre subverter a soberania humana.

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