Embora não seja a primeira rede social que vem à mente quando se fala em pesadelos de privacidade, Pinterest agora se vê no centro de uma polêmica que pode afetar sua operação na Europa. A organização sem fins lucrativos noyb, que defende os direitos de privacidade no continente, apresentou uma queixa formal contra a plataforma, acusando-a de violar o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia. A essência da acusação é a alegação de que o Pinterest falhou ao não obter o consentimento explícito dos usuários para rastreamento e profilagem para fins publicitários, uma questão que gera sérias implicações legais para a empresa.

A GDPR estabelece penalidades que podem chegar a 4% do faturamento global anual das empresas em casos confirmados de descumprimento, o que torna esse tipo de queixa alarmante, especialmente para gigantes da tecnologia. Embora o Pinterest tenha, de certa forma, desfrutado de uma relativa discrição em meio a questões de privacidade online, quando comparado a outras plataformas sociais financiadas por anúncios, como o Facebook, é crucial lembrar que a empresa já lidou com questões sérias relacionadas ao rastreamento e à profilagem. Um dos casos mais trágicos associados a esses problemas foi o da jovem britânica Molly Russell, que cometeu suicídio em 2017 após ter conteúdo insinuando suicídio recomendado em seus feeds sociais, incluindo Pinterest. Um relatório de 2022 elaborado por um legista no Reino Unido reconheceu que os “efeitos negativos do conteúdo online” foram fatores que contribuíram para sua morte, destacando o impacto do rastreamento e profilagem promovidos pelas plataformas financiadas por anúncios.

A queixa da noyb contra o Pinterest foi protocolada junto à autoridade de proteção de dados da França, onde o Pinterest é acusado não apenas de violar a GDPR ao rastrear usuários sem o devido consentimento, mas também de não cumprir um pedido de acesso a dados feito pelo reclamante. Segundo a GDPR, as pessoas têm o direito de solicitar informações sobre os dados coletados e compartilhados a partir de suas interações com a plataforma. No entanto, ao que parece, o Pinterest respondeu de forma inadequada, não fornecendo detalhes sobre as categorias de dados que foram compartilhadas com terceiros.

O Pinterest fundamenta o seu rastreamento de dados em uma base legal conhecida como “interesse legítimo”, mas a noyb argumenta que essa prática não está em conformidade com a legislação europeia. A organização menciona uma decisão proferida pela Corte de Justiça da União Europeia em julho de 2023, que negou a possibilidade de o Facebook, proprietário do Meta, utilizar esse mesmo fundamento para sua prática de anúncios de vigilância. Assim, a noyb acredita que o Pinterest deve obter o consentimento explícito dos usuários europeus para operar seu negócio de “anúncios personalizados”. Neste momento, todos os usuários europeus do Pinterest são rastreados por padrão para a “personalização” de anúncios, e qualquer usuário que deseje não ser rastreado deve solicitar ativamente a objeção a esse processamento, em vez de ser consultado de forma afirmativa sobre o uso de suas informações, como defende a noyb.

De acordo com Kleanthi Sardeli, advogada de proteção de dados da noyb, a prática do Pinterest de rastrear secretamente seus usuários sem o devido consentimento permite que a plataforma lucre ilegalmente com os dados pessoais das pessoas, muitas das quais podem nunca descobrir essa exploração. Sardeli complementa ressaltando que a plataforma parece estar ignorando deliberadamente o veredicto da Corte de Justiça da União Europeia, que já deixou claro que a publicidade personalizada não pode ser baseada em interesse legítimo.

A usuária que fez a queixa não tinha ciência de que o Pinterest estava rastreando suas atividades sem seu consentimento. O acompanhamento foi descoberto apenas quando ela explorou as configurações de “privacidade e dados”, onde percebeu que a opção de “personalização de anúncios” estava ativada por padrão. Além disso, a plataforma também se utiliza de informações de “sites visitados” e outras plataformas para exibir anúncios, bem como rastrear as atividades dentro do site para tal propósito. Em suma, o Pinterest se aproveita de um modelo de negócios baseado em anúncios de vigilância, que a noyb enfatiza ser claramente ilegal desde a implementação da GDPR em 2018.

A queixa da noyb exige que o Pinterest exclua qualquer dado processado para fins publicitários e informe aos usuários sobre essa ação. A organização também pressiona a plataforma para que atenda ao pedido de acesso aos dados feito pela reclamante. A noyb está buscando ainda uma penalização que sirva como um aviso para futuras violações da GDPR. O Pinterest foi contatado para se pronunciar sobre a queixa, mas, enquanto essa situação se desenrola, a autoridade francesa de proteção de dados (CNIL) tem um histórico forte de aplicação de regulamentações sobre questões de privacidade, o que pode influenciar o desfecho do caso. De acordo com a legislação da GDPR, a questão poderá potencialmente ser encaminhada à Comissão de Proteção de Dados da Irlanda, uma vez que o Pinterest tem sua sede na região com uma estrutura de governança que abrange a supervisão de queixas em várias jurisdições europeias. Contudo, a noyb insiste que sua queixa foi apresentada contra a entidade americana do Pinterest, enfatizando que a política de privacidade da plataforma reconhece tanto o Pinterest Europe quanto o Pinterest, Inc. como controladores de dados conjuntos no processamento.

Os desdobramentos desta situação podem não apenas impactar o Pinterest, mas também redefinir os limites do que é permitido dentro das práticas de publicidade nas redes sociais. Diante do aumento crescente de preocupações sobre privacidade e vigilância digital, o resultado deste caso pode se refletir em um aumento das exigências de transparência e consentimento no uso de dados pessoais pelas plataformas sociais. A discussão sobre a privacidade online não é apenas uma questão de conformidade legal, mas uma necessidade crescente de considerarmos o impacto que nossas interações digitais têm sobre nossa segurança e bem-estar.

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