O impacto de experiências traumáticas muitas vezes ressoa além do evento em si, afetando a vida da vítima de maneiras que podem ser inestimáveis. Recentemente, Allie, uma mulher de 34 anos, compartilhou sua história com uma coragem admirável, descrevendo o que considera o “dia mais assustador de sua vida”. Este relato se torna ainda mais impactante no contexto do julgamento e da condenação do cardiologista de Denver, Stephen Matthews, que foi acusado de drogar e agredir sexualmente diversas mulheres.
Matthews, cuja carreira como cardiologista foi interrompida por suas ações criminosas, foi condenado em agosto por 35 das 38 acusações que envolviam o uso de substâncias para deixar suas vítimas vulneráveis. Os crimes ocorreram entre 2019 e 2023, período durante o qual ele se conectou com muitas vítimas através de aplicativos de namoro como Hinge e Tinder. No último verão, ele foi reconhecido por ter drogado 11 mulheres e agredido sexualmente nove delas, um testemunho sombrio das consequências de suas ações. O momento culminante para Matthews chegou quando foi convocado ao tribunal para receber sua sentença, um processo que Allie e outras vítimas esperam que traga pelo menos um semblante de justiça.
No início de sua entrevista, Allie relembra o primeiro encontro com Matthews em janeiro de 2023. Ela descreve como estava animada e cheia de expectativas ao conhecer um homem cuja apresentação online exibia uma imagem de médico responsável e amante de animais, o que a deixou atraída. Agendar um encontro parecia, em princípio, uma chance de iniciar uma nova conexão. Porém, após uma bebida em um bar e uma rápida caminhada até a casa de Matthews para que ele pudesse levar seu cachorro para passear, o que deveria ser uma noite agradável rapidamente se transformou em um pesadelo.
Allie admite ter ficado surpresa ao encontrar um copo com uma bebida que não havia pedido. “Não quis parecer mal-educada”, disse. Após consumir uma parte significativa do conteúdo, sempre lembrando que não pediu a bebida e que sentiu um mal-estar crescente. Daí em diante, a memória se torna fragmentada. Um momento aterrorizante foi quando, enquanto estava deitada no chão, ela se deparou com a imagem de Matthews filmando-a, e logo depois, ele a agarrou em um movimento violento. A sensação de perda de controle sobre seu corpo a deixou em um estado de pânico iminente.
Conforme a conversa avança, fica evidente que a luta de Allie não termina após a fuga de casa. Assim que conseguiu chamar um Uber e vomitar, ela se dirigiu a um centro de urgências em Denver, sem saber que sua busca por ajuda seria novamente frustrante. Ao não encontrar o suporte necessário para a realização de testes que poderiam identificar drogas em seu sistema, Allie sentiu-se apenas mais uma vez ignorada e desconsiderada em um momento que exigia compaixão e atenção, algo que se tornou evidente ao longo das experiências de várias mulheres que enfrentaram situações destrutivas semelhantes.
A dura realidade é que, ao compartilhar suas experiências em grupos de apoio online, Allie encontrou um espaço seguro e acolhedor, onde reconstruiu sua confiança ao perceber que não estava sozinha. Isto a levou a se apresentar para a polícia de Denver, enfrentando seus medos para relatar a agressão e, posteriormente, testemunhar em um julgamento que a levou a reviver o trauma. A experiência de Allie no tribunal foi marcada pela sensação de estar em julgamento, dada a abordagem agressiva dos advogados defensores de Matthews. No entanto, o veredito do júri trouxe, para ela e outras vítimas, um alívio inesperado, sendo reconhecidas como vítimas e não como culpadas.
Agora, enquanto Matthews enfrenta um futuro incerto na prisão e um fiança de cinco milhões de dólares, Allie se prepara para sua próxima audiência. Na quarta-feira, ela planeja solicitar a sentença máxima, declarando firmemente que sua vida foi permanentemente alterada pela experiência. O peso emocional dessa vivência pesa sobre seus dias, resultando em impulsos de ansiedade e vigilância constante em relação à sua segurança. Ao considerar o impacto de seu testemunho, Allie observa que há muitas outras sobreviventes cujas vozes ainda permanecem silenciadas. “O que muitos reportaram é apenas a ponta do iceberg”, explica ela, avisando sobre os perigos contínuos que podem existir nas plataformas de namoro.
Por fim, Allie encontrou força em organizações de apoio que lidam com a violência sexual, como Blue Bench e Jane Doe No More. Essas iniciativas têm se mostrado cruciais para ajudar sobreviventes como ela a recuperar sua autonomia e se reerguer após experiências tão desafiadoras. O caso de Matthews não representa apenas uma tragédia isolada, mas destaca a urgência de provocar mudanças radicais no acompanhamento de casos de agressões sexuais e assédio em nossa sociedade. Além de possibilitar que a justiça seja feita, essa é uma oportunidade de refletir e melhorar a forma como tratamos e apoiamos as vítimas, garantindo que todos tenham acesso a um suporte adequado quando mais precisam.