A Boeing, uma das maiores fabricantes de aeronaves do mundo, enfrenta uma tempestade perfeita que agrava seus desafios financeiros e operacionais. Os problemas que a empresa atravessa não são apenas atuais, mas se estendem por anos. Recentemente, a situação se agravou ainda mais devido a uma série de incidentes de segurança que abalaram a confiança do público, aumentaram a preocupação com a qualidade dos produtos, resultaram em inúmeras investigações e ocasionaram uma reformulação na diretoria, incluindo a ascensão de um novo CEO. A situação se complica com uma greve longa e dispendiosa que está ocorrendo nas fábricas da Boeing em Washington, que está drenando cerca de R$ 5,1 bilhões por mês das finanças da companhia, de acordo com a estimativa da Standard & Poor’s. Para completar, a Boeing anunciou uma perda trimestral de aproximadamente R$ 31 bilhões, uma das maiores da sua história, e advertiu investidores sobre a continuidade das perdas até o próximo ano.
Recentemente, os membros da International Association of Machinists (IAM) rejeitaram uma proposta da Boeing que visava pôr fim à greve, que já dura há seis semanas. O novo CEO Kelly Ortberg expressou que terminar com a greve é sua prioridade máxima e fundamental para a recuperação financeira da empresa. Entretanto, o resultado da votação, onde 64% dos membros optaram por não aceitar a oferta da empresa, evidencia que a missão de restaurar a grandeza da Boeing é mais complicada do que nunca. Este impasse entre a empresa e seus trabalhadores está ilustrando uma luta profunda entre demandas salariais e direitos adquiridos, refletindo descontentamentos que vêm de longas datas relacionadas à perda de benefícios, especificamente o plano de pensão tradicional que os trabalhadores deixaram para trás há uma década.
Os problemas com a qualidade e a segurança dos aviões da Boeing vêm sendo amplamente documentados nos últimos anos, com funcionários e analistas afirmando que as questões surgiram principalmente da redução de custos e do aumento da velocidade de produção em detrimento da segurança e da qualidade. A sensação de traição em relação à perda do plano de pensão tradicional perdura entre os trabalhadores da Boeing. Isso se tornou ainda mais evidente após a proposta de acordo que não previa a restauração do tradicional plano de pensão, que era um dos benefícios mais valorizados pelos empregados. O plano de pensão oferece uma segurança de aposentadoria que um plano de contribuição, como o 401(k), não consegue garantir da mesma forma. A transição para planos de contribuição retirou essa responsabilidade da empresa, colocando o risco de investimento nas mãos dos empregados.
A questão do futuro financeiro dos trabalhadores é um tema delicado e que vem se intensificando. A proposta da Boeing incluiu um aumento salarial imediato de 12%, uma melhoria de 23% nos salários ao longo de quatro anos, um bônus de R$ 34 mil após a ratificação do contrato e melhores contribuições para os planos 401(k). Apesar das alegações da empresa sobre a necessidade de medidas de contenção, os trabalhadores não conseguiram ver esses benefícios como uma compensação suficiente pela perda do plano de pensão, que simboliza uma segurança significativa para eles e suas famílias. “Esta membresia passou por muito”, afirmou Jon Holden, presidente de uma das unidades locais da IAM, destacando a lembrança das “feridas profundas” causadas pelas concessões anteriores e pelas ameaças de perda de empregos, uma narrativa que ainda ressoa fortemente entre os membros do sindicato.
O panorama das pensões tradicionais, conhecidas como planos de benefícios definidos, se torna ainda mais complicado considerando que apenas cerca de 8% dos trabalhadores em empresas dos Estados Unidos têm acesso a tais planos, já que a maioria das empresas privadas abandonou esse modelo nos últimos 45 anos. Os planos de benefícios definidos garantem uma quantia fixa aos aposentados, enquanto os planos de contribuição colocam o ônus do risco nas mãos do trabalhador, criando uma incerteza alarmante sobre sua segurança financeira na aposentadoria.
A luta pelos direitos de pensão não é única da Boeing. Outras indústrias também enfrentam o mesmo dilema, como evidenciado pela United Auto Workers (UAW), que busca a restituição de similares planos de pensão ao negociar com as montadoras da indústria automobilística, mas que tiveram sucesso apenas em alguns outros aspectos contratuais. A situação é uma reflexão de um problema maior na relação entre empresas e trabalhadores em um mundo onde a segurança no trabalho e benefícios financeiros estão em constante risco.
A busca da IAM por um acordo que traga estabilidade e segurança financeira ao futuro dos trabalhadores da Boeing está longe de uma resolução clara. Embora Holden tenha afirmado não descartar um acordo que inclua alternativas ao plano de pensão, como uma abordagem híbrida, a realidade é que, até o momento, a Boeing mostrou pouca disposição para explorar essa possibilidade. A companhia já descartou qualquer chance de reativar planos tradicionais de aposentadoria, afirmando que são “excessivamente caros” e que essa forma de previdência é um modelo “do passado”.
O novo CEO Kelly Ortberg reconhece a necessidade de uma transformação cultural dentro da Boeing. Ele admite que a empresa chegou a um ponto crucial, com a confiança do público e dos empregados erodidas por lapsos significativos de desempenho. Ao mesmo tempo, Ortberg reconhece que esses tipos de mudança exigem tempo e esforço, afirmando que conquistar de volta a confiança dos funcionários será uma tarefa monumental. “Estamos claramente em um ponto de inflexão. A confiança em nossa empresa foi corroída”, concluiu. Neste cenário conturbado, a Boeing deverá equilibrar cuidadosamente a recuperação de sua reputação e finanças, ao mesmo tempo que atende às demandas legítimas de seus trabalhadores. A forma como a empresa lida com esses desafios é crucial para seu futuro e para a segurança de milhares de empregos.