Na última quinta-feira, o climatempo da redação do Los Angeles Times se intensificou de forma dramática, levando à demissão de dois membros do conselho editorial, em meio a uma onda de controvérsias geradas pelo veto do proprietário do jornal, Patrick Soon-Shiong, à aprovação de um endosse à vice-presidente Kamala Harris. Essa decisão, considerada polêmica, não apenas afetou a posição dos editores, mas também despertou um amplo debate sobre a ética e independência na cobertura jornalística. Compreender o impacto dessa situação é vital para avaliar o futuro da profissão jornalística.
Robert Greene, um respeitado escritor editorial e ganhador do prêmio Pulitzer, confirmou sua saída do diário após a decisão de Soon-Shiong. Greene destacou suas preocupações em uma carta de demissão, expressando sua “profunda decepção” pelo bloqueio do endosse, uma prática que, segundo ele, representa uma afronta aos princípios fundamentais do jornalismo, como respeito pela verdade e reverência pela democracia. O autor afirmou que, além de respeitar o direito do proprietário, essa escolha é prejudicial, especialmente quando comparada a figuras como Donald Trump, cuja relação com os princípios jornalísticos é amplamente criticada.
A resignation de Greene não foi uma situação isolada. Karin Klein, outra membro do conselho editorial, também optou por se demitir em descontentamento com o veto à possível aprovação do endosse. Em uma postagem no Facebook, ela reafirmou o direito do proprietário de intervir nas decisões editoriais, mas enfatizou que essa intervenção, neste caso, poderia ser considerada como uma decisão editorial indesejada, que poderia insinuar falhas ímpares no caráter de Harris quando comparada ao ex-presidente Trump. Klein não hesitou em criticar a atitude do proprietário, afirmando que o “silêncio” imposto pela decisão cria uma narrativa negativa sobre Harris que não condiz com os fatos.
Essas saídas ocorrem logo após a demissão de Mariel Garza, a liderança do conselho editorial do Los Angeles Times, ocorrida um dia antes. A pressão exercida por Soon-Shiong sobre o conselho foi palpável, já que ele sugeriu que, em vez de um endosse, o periódico poderia abordar as diferenças de políticas entre Harris e Trump. Tal posicionamento gerou um mar de críticas tanto entre os colaboradores do jornal quanto entre seus leitores. Sendo uma das principais publicações da Califórnia, o fato de que o Los Angeles Times não apoiou um candidato nas eleições presidenciais, algo que não ocorreu desde que apoiou Barack Obama em 2008, levanta inquietantes perguntas sobre a integridade editorial do periódico, especialmente em um momento crescente da polarização política nos Estados Unidos.
Embora o Los Angeles Times ainda não tenha se pronunciado publicamente sobre a falta de um endosse, Soon-Shiong, em uma entrevista, justificou sua decisão alegando que a escolha de um candidato poderia amplificar as divisões existentes. No entanto, suas palavras foram contestadas por Klein, que argumentou que a abordagem proposta pelo proprietário contradiz o ideal de neutralidade que ele próprio afirma buscar. A polêmica se intensifica à medida que pesquisas de opinião indicam uma corrida acirrada entre Trump e Harris, o que sugere que a falta de um endosse pode ser percebida como uma forma de autocensura por parte da publicação.
O impacto das demissões e a controvérsia em torno das decisões editoriais estão claramente ressoando entre os leitores habituais do jornal. O sindicato que representa os jornalistas do Los Angeles Times expressou preocupação com o descontentamento generalizado entre os leitores, alguns dos quais começaram a cancelar suas assinaturas, ressentidos com a posição do proprietário. A situação é um reflexo do profundo descontentamento que paira sobre a redação, que busca manter a credibilidade em tempos tão tumultuados. Em uma crítica contundente, Garza, em sua carta de demissão, destacou que a decisão de não endossar Harris não apenas enfraquece a integridade do conselho editorial, mas também questiona a coerência de posições prévias do jornal ao longo dos últimos anos.
Assim, um cenário complexo se delineia para o Los Angeles Times e sua equipe editorial. À medida que mais membros se afastam, a identidade do jornal como um veículo independente e de respeito, que há anos fornece cobertura crítica e incisiva das questões políticas e sociais, está subitamente em jogo. O desdobramento dessa situação não apenas repercute nas páginas do periódico, mas também gera discussões essenciais sobre a independência do jornalismo em um mundo cada vez mais dividido. É possível que a próxima edição do Los Angeles Times, com suas páginas em branco, soe como um eco das vozes que se levantam em busca de maior transparência e integridade na cobertura parlamentar. O que, inicialmente, parecia ser uma simples decisão editorial converteu-se em um catalisador de profundas reflexões sobre a função do jornalismo no cenário político atual.