Em uma decisão que desaponta defensores dos direitos das mulheres, o governo indiano afirmou que criminalizar o estupro conjugal seria “excessivamente severo”, em meio a um discussão crucial diante de uma aguardada decisão do Supremo Tribunal da Índia. Esta declaração ocorre em um contexto no qual a violência sexual e a proteção dos direitos das mulheres são questões críticas, especialmente em um país que há anos enfrenta altos índices de crimes de gênero. A posição formal apresentada pelo governo marca um alicerce significativo na discussão sobre o tratamento legal do estupro conjugal, um tema que toca diretamente a vida de milhões de mulheres na Índia.

No contexto atual da legislação indiana, o estupro conjugal não é reconhecido como crime, devido a uma exceção em uma lei que remonta ao período colonial britânico. Segundo essa norma, um homem não pode ser responsabilizado pelo estupro se tiver relações sexuais forçadas com a esposa, desde que ela tenha mais de 18 anos. Este padrão de entendimento contrasta fortemente com as legislações de muitos países ocidentais. Por exemplo, o Reino Unido criminalizou o estupro conjugal em 1991, e essa condição é ilegal em todos os 50 estados dos Estados Unidos. O fato de que cerca de 40 países ao redor do mundo ainda não possuem legislação sobre o estupro conjugal ressalta uma questão global de desigualdade de direitos e a necessidade de reforma legal.

Activistas na Índia pressionam há anos para que essa cláusula seja revista, com o Supremo Tribunal atualmente analisando petições que buscam sua alteração, após uma bifurcação de posições do Tribunal Superior de Delhi em 2022. O Ministério da Justiça e Assuntos Internos do governo argumentou que um homem deve enfrentar consequências penais por forçar relações sexuais com a esposa, mas ressalvou que classificar essas ações como estupro teria um impacto severo nas relações conjugais e uma influência abrangente sobre a instituição do casamento. Tal argumentação ignora as tensões e a realidade enfrentadas por mulheres que muitas vezes se encontram em situações de abuso e violência, gerando receios de que a não criminalização perpetue a normalização da violência sexual na cultura indiana.

A reação de ativistas e defensores dos direitos das mulheres foi de desilusão, considerando que a mensagem do governo reforça uma aceitação cultural da violência sexual. Enfatizando que as expectativas envolvendo o consentimento no casamento não podem ser vistas de forma distinta daquelas fora do mesmo, Mariam Dhawale, Secretária Geral da All India Democratic Women’s Association, ressaltou que considerar o consentimento é essencial, uma vez que muitos mulheres são tratadas como apêndices de seus maridos, sem autonomia ou identidade própria.

A criminalização do estupro conjugal se tornou ainda mais urgente em um cenário de crescente violência contra mulheres na Índia. O assassinato brutal de uma médica em Kolkata, que provocou uma onda de protestos e exigências por mais proteção a profissionais da saúde, é um exemplo notável de que a crise da violência de gênero continua a ser uma preocupante realidade. O governo, ao se opor à criminalização do estupro conjugal, faz essa declaração em um momento em que a sociedade civil se mobiliza em busca de justiça e segurança para as mulheres.

Além das leis existentes, que permitem certas ações legais contra abusos, ativistas destacam que elas são insuficientes e frequentemente mal interpretadas, dificultando a denúncia de agressões sexuais. As mulheres podem buscar ordens de proteção sob a legislação civil, mas, na prática, se deparam com um sistema que frequentemente não as protege adequadamente. Um exemplo disso foi a recente decisão de um juiz no estado de Madhya Pradesh, que não considerou um caso de “sexo unnatural” como passível de ação penal devido à isenção de estupro religioso, citando que o “consentimento da esposa se torna irrelevante”. Tais decisões destacam os obstáculos que as mulheres enfrentam ao tentar procurar justiça, perpetuando ciclos de abuso e medo.

A discussão sobre se a criminalização do estupro conjugal realmente prejudicaria a instituição do casamento é central para os opositores da mudança legal. No entanto, advogados como Jayna Kothari argumentam que o reconhecimento do estupro conjugal poderia ser um passo fundamental para a verdadeira igualdade das mulheres dentro do casamento. A questão permanece: se o governo não for capaz de reconhecer o estupro conjugal, como a cultura e a sociedade poderão se transformar para aceitar a autonomia e os direitos das mulheres?

As chamadas para mudança não são apenas sobre aspectos legais, mas requerem uma revolução cultural mais ampla, essencial para deslocar a norma social que aceita a violência sexual como parte da vida cotidiana das mulheres na Índia. As vozes femininas pedem não apenas legislação, mas uma mudança de paradigma que respeite as mulheres como cidadãs independentes, em vez de mero complemento de seus maridos. Assim, a luta pelo reconhecimento do estupro conjugal continua, na esperança de que a justiça e a dignidade finalmente prevaleçam para todas as mulheres indiana.

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