A argentina, um país que se destacou por legalizar o aborto em 2021, enfrenta atualmente desafios alarmantes em relação ao acesso a esse serviço essencial. Enquanto os direitos reprodutivos foram garantidos, a realidade no terreno mostra que, sob a administração do presidente javier milei, esse acesso está se esvaindo rapidamente. A história de María, uma mulher residente em montecarlo, na província de misiones, é um exemplo pungente das dificuldades enfrentadas pelas mulheres em busca de seu direito ao aborto seguro, legal e gratuito.
María vive em uma pequena cidade com pouco menos de 20.000 habitantes, onde a maioria das ruas são de terra, podendo parecer um cenário bucólico, mas que esconde um contexto social desafiador. Recentemente, ela percebeu um atraso em sua menstruação, o que levantou suspeitas de uma possível nova gravidez. Com quatro crianças em casa e apenas um marido empregado em um trabalho informal, a ideia de ter mais um filho não era uma opção viável para ela. A sua luta começou quando, ao consultar seu ginecologista, foi informada de que o médico não realizava abortos e que precisaria sair do consultório. Essa resposta negativa a deixou em desespero, considerando sua condição de saúde após complicações em gestações anteriores.
María não se deu por vencida e procurou informações em um hospital público local, mas também não obteve apoio, pois não tinham como orientá-la adequadamente. Assim, decidiu viajar para eldorado, uma cidade vizinha, onde havia uma seção de planejamento familiar no hospital público. Entretanto, o que deveria ser um alívio logo se transformou em frustração, já que ao questionar sobre a medicação necessária, foi informada de que não havia estoque disponível do medicamento misoprostol, que induz ao aborto. Sem possibilidades financeiras, uma vez que seu marido havia perdido o emprego formal, a situação dela parecia não ter saída.
Após este conflito, María se conectou com a amnesty international, que por meio de um formulário disponibilizado em seu site, possibilitou que ela compartilhasse os obstáculos que enfrentava. Em menos de uma semana, a organização entrou em contato com ela e a orientou sobre como obter a medicação de forma gratuita. No entanto, mesmo após ser garantido o direito ao aborto, a espera se estendeu por quase um mês. De acordo com dados da organização, as reclamações sobre barreiras no acesso ao aborto aumentaram em 80% comparado ao ano anterior, evidenciando um cenário preocupante.
Enquanto o aborto foi legalizado em 2021 e deveria ser acessível a todas as que simples desejassem interromper uma gravidez, o governo de milei desde o início de sua administração, paralisou a compra de suprimentos essenciais para abortos. Informações obtidas pela amnesty international revelam que não houve distribuição de misoprostol, mifepristona ou outros instrumentos essenciais desde o início do mandato. O Ministério da Saúde da província de misiones confirmou uma escassez de suprimentos, comprometendo o acesso das mulheres ao aborto.
Além disso, a escassez de contraceptivos e outros métodos de planejamento familiar também foi imensamente ressentida. Silvina ramos, da rede de acesso ao aborto seguro, reforça essa ideia ao destacar a falta de distribuição dos medicamentos necessários em várias províncias argentinas. A combinação de dificuldades no acesso a serviços de saúde reprodutiva e a falta de apoio governamental exacerba a situação das mulheres que já enfrentam uma luta diária para garantir seus direitos.
Com o governo de milei se afastando das garantias legais adquiridas por meio da batalha pelo direito ao aborto, as mulheres estão sendo forçadas a encontrar alternativas. Algumas províncias começaram a adquirir suprimentos diretamente, mas isso gera desigualdade nos serviços disponíveis em diferentes regiões. A falta de uma abordagem uniforme apenas agrava o problema, especialmente em áreas onde os recursos são escassos.
As consequências dessa situação são alarmantes. Mulheres que não têm acesso ao aborto seguro podem ser levadas a buscar métodos inseguros, colocando em risco suas vidas ou enfrentando a continuidade de uma gravidez indesejada. Embora os dados anteriores mostrem uma redução de 53% na mortalidade materna em decorrência de abortos entre 2020 e 2022, a atual crise apresenta um retrocesso. A legalização não é suficiente se não acompanhar uma oferta real e acessível de serviços adequados.
O recado das organizações que lutam pelos direitos reprodutivos é claro: a garantia do direito ao aborto é uma questão de saúde pública e deve ser tratada com seriedade. Como destacou lucila galkin, da amnesty international, o futuro da saúde pública no país depende do acesso contínuo e seguro a esses serviços. As dificuldades enfrentadas por mulheres como María não são apenas uma história isolada; elas materializam um retrocesso de direitos em um país que já trilhou um caminho progressista em direção à saúde e à autonomia feminina. O desafio agora é assegurar que esses direitos não desapareçam, mas sejam fortalecidos e acessíveis para todas as mulheres argentinas.