A recente decisão de grandes jornais como The Washington Post e Los Angeles Times de não endossar candidatos na eleição presidencial deste ano foi interpretada de maneira surpreendente pelo ex-presidente Donald Trump. Em um comício realizado na Carolina do Norte, Trump não apenas desconsiderou a intenção de tais publicações, como também afirmou que suas ações deveriam ser vistas como um sinal de apoio a sua campanha. Esse episódio levanta questões sobre a relação entre a mídia, a política e as percepções públicas, em um momento em que a polarização e a desconfiança em relação às instituições jornalísticas são alarmantes.
Ao discursar diante de apoiadores, Trump afirmou categoricamente: “O The Washington Post e Los Angeles Times, e todos esses jornais, não estão endossando ninguém. Sabe o que eles estão realmente dizendo? Uma vez que eles só endossam democratas, estão dizendo que este democrata não presta”. Ao fazer referência à vice-presidente Kamala Harris, o ex-presidente insinuou que a ausência de apoio editorial era uma confirmação implícita do seu desempenho positivo: “Parabéns aos jornais. Eu acabei de ouvir que o USA Today também não endossou. Isso significa que eles acham que ela não é boa”. Essa retórica transforma a falta de um endosse positivo em uma forma de validação, criando uma narrativa conveniente para sua campanha.
A liderança dos três jornais mencionados, em resposta à controvérsia, destacou que a decisão de não endossar candidatos visa restaurar a confiança dos leitores e endereçar a percepção de parcialidade na mídia. Em uma declaração recente, Will Lewis, editor do The Washington Post, deixou claro que essa decisão não deve ser interpretada como um apoio tácito a um competidor, mas sim como um reflexo dos valores éticos que o jornal sempre defendeu. Ele ressaltou que a ausência de um endosse pode ser vista de diferentes maneiras, incluindo como uma falta de responsabilidade, mas enfatizou que não é assim que eles enxergam a situação.
O histórico editorial do The Washington Post e do Los Angeles Times inclui endossos de candidatos em eleições passadas, e o fato de que suas equipes editoriais tinham intenção de apoiar Harris antes de serem impedidas por seus respectivos proprietários milionários, Jeff Bezos e Dr. Patrick Soon-Shiong, acirrou as tensões internas. O resultado dessa polarização não se limitou aos bastidores: mais de 250.000 assinantes do The Washington Post cancelaram suas assinaturas em protesto e o Los Angeles Times divulgou que mais de 7.000 assinantes optaram pelo cancelamento por motivos editoriais. Esses números falam de um descontentamento crescente em relação à forma como a mídia está se posicionando diante da política atual.
Os jornalistas, tanto atuais quanto ex-funcionários, expressaram preocupação de que Trump transformasse a ausência de um endosse em uma ferramenta de propaganda, validando sua narrativa de que está sendo injustamente tratado pela mídia. Esse medo não é infundado, visto que a retórica utilizada pelo ex-presidente ao longo de sua carreira política sempre encontrou formas de inverter a narrativa adversa a seu favor. A possibilidade de que a decisão de não endossar os candidatos possa ter sido motivada pela proteção dos interesses comerciais de seus proprietários, na eventualidade de uma reeleição de Trump, apenas intensifica a desconfiança. No entanto, Bezos refutou qualquer suposta troca de favores, assegurando que sua decisão não foi motivada por pressões externas ou por interesses pessoais.
Em suma, o desdobramento dos não-endossos pelos jornais trouxe à tona um debate importante sobre a ética na cobertura eleitoral e a relação entre a mídia e a política. À medida que a câmera da opinião pública foca nos discursos inflamados de Trump, pode-se questionar: até onde vai a capacidade dos meios de comunicação de se afastar de uma imagem de parcialidade e ainda manter sua credibilidade diante de um público cada vez mais cético? Este episódio, certamente, não é apenas mais um capítulo na história política dos Estados Unidos, mas um reflexo de uma era em que a verdade e a narrativa se entrelaçam de maneiras muitas vezes confusas.