A história das chamadas “bruxas” na Europa é marcada por tragédias e injustiças. Durante os séculos XVII e XVIII, convicções e execuções de mulheres inocentes foram comuns, levando à morte de até 60 mil indivíduos considerados bruxas em todo o continente. Recentemente, novas pesquisas trouxeram à tona a possibilidade de que uma das últimas mulheres condenadas por bruxaria na Inglaterra, Alice Molland, possa ter realmente sobrevivido. Este reexame histórico não só abre novas vertentes de investigação sobre a vida de Molland, mas também provoca reflexões sobre as injustiças perpetradas em nome da “bruxaria”.

O Caso de Alice Molland e as Novas Descobertas

Condenada à morte em 1685, Alice Molland se tornou um símbolo da brutalidade dos julgamentos de bruxas na Inglaterra. A cerimônia de sua execução ocorreu na histórica Exeter Castle, localizada na região sudoeste da Inglaterra, onde, em 1996, uma placa foi instalada para homenagear sua memória. Contudo, um novo estudo, conduzido pelo professor de história moderna da Universidade de Southampton, Mark Stoyle, sugere que a mulher condenada pode, na verdade, ter sido Avis Molland, uma mulher que teria vivido livre até 1693, oito anos depois de sua suposta execução. Se essa teoria se confirmar, significaria que a execução de bruxas na Inglaterra teria cesado em 1685, três anos antes da data previamente estabelecida. Assim, as últimas a serem enforcadas seriam, então, as conhecidas como “Bideford Three”, compostas por Temperance Lloyd, Mary Trembles e Susannah Edwards, que foram executadas em 1682.

Documentos judiciais revelam que Alice foi enviada ao cadafalso por “feitiçaria sobre os corpos de Joane Snell, Wilmott Snell e Agnes Furze”. Sua história, envolta em mistério, permaneceu na penumbra até que Stoyle descobriu indícios de que uma confusão de nomes poderia ter ocorrido, resultando na erronea categorização de Avis como Alice. Em uma busca que se estendeu por uma década, ele encontrou referências a Avis Molland, um sobrenome raro na cidade de Exeter, indicando que ela esteve na prisão apenas três meses após a sentença atribuída a “Alice”. Esses achados levaram Stoyle a reconstruir quase toda a vida de Avis através de registros da época, revelando uma trajetória marcada por dificuldades e injustiças.

O Retrato de uma Mulher em Tempos Difíceis

Avis Molland, nascida Avis Macey, era parte do que Stoyle descreve como a “camada inferior” da sociedade em Exeter. Seu passado é revelador: em 1667, ela e seu marido, um telhadista, enfrentaram acusações por supostamente induzirem uma criança a roubar tabaco. Mais tarde, ela se viu viúva e, em junho de 1685, mencionada nos registros como informante sobre uma potencial revolta, à medida que o Duque de Monmouth tentava se rebelar contra o rei. Acredita-se que ela também tivesse sido encarcerada nesse período, o que aumenta as chances de sua sobrevivência após a caça às bruxas que varria a região. Stoyle propõe que, no calor de um tumulto crescente, Avis pode ter sido anistiada antes de sua execução.

Embora Stoyle reconheça que não pode provar categoricamente que Avis e Alice eram a mesma pessoa, ele argumenta que as características que fizeram de Avis uma candidata a ser acusada de bruxaria — pobreza, idade avançada e solteirice — eram comuns entre as mulheres que enfrentaram tais acusações. “Eram, predominantemente, mulheres mais pobres, sem proteção”, afirmou Stoyle, ressaltando o fator social que envolvia essas condenações.

Um Olhar Crítico Sobre as Caças às Bruxas e suas Consequências

A história das chamadas “bruxas” ilustra um dos períodos mais sombrios da história europeia, com um impacto profundo que se estendeu até mesmo para a América do Norte, onde uma famosa série de julgamentos ocorreu em Salem. O número real de executadas é motivo de debate entre historiadores, mas as estatísticas indicam que aproximadamente 500 “bruxas” foram mortas na Inglaterra, enquanto que na Escócia esse número chegou a cerca de 2500, sem contar as milhares de vítima em toda a Europa. O entendimento comum é que a maioria dessas mulheres eram inocentes, apenas “se encaixando no estereótipo” de bruxas: geralmente mais velhas, solteiras e, muitas vezes, debilitadas. O ódio e a intolerância que impulsionaram essas caças às bruxas devem ser reavaliados, levando em conta os legados de injustiça e misoginia que continuam a ecoar até hoje.

A Luta por Justiça e Reconhecimento das Vítimas

Atualmente, campanhas como a “Justiça para as Bruxas” estão lutando por um reconhecimento post mortem destas mulheres injustamente condenadas. Charlotte Meredith, uma figura proeminente nesta causa, defende que as vítimas da bruxaria na Inglaterra devem receber um perdão formal como um mea culpa por um erro judicial tão grave. Não se deve esquecer que os casos estavam frequentemente enraizados em disputas pessoais em comunidades pequenas, levando a mal-entendidos e condenações errôneas. John Worland, um ex-inspector de polícia, aplaude iniciativas para memorializar as mulheres que sofreram tais injustiças, destacando suas histórias como fundamentais para um entendimento mais abrangente sobre os eventos que cercaram aqueles períodos.

O trabalho de Stoyle, que será publicado na próxima edição da revista da Associação Histórica do Reino Unido, traz à tona não apenas uma nova perspectiva sobre a figura de Avis Molland, mas também resgata o som do silêncio ao redor das vidas de mulheres que pagaram um preço altíssimo por serem vistas como “diferentes” ou “suspeitas” em tempos de paranoia social. Mesmo sem conhecer a verdade absoluta por trás da história de Alice, sua trajetória deve levar à reflexão sobre o tratamento de mulheres e a necessidade de uma reavaliação histórica das injustiças que marcaram a Europa. Se a historiografia pode, de alguma forma, trazer à luz essas histórias esquecidas, talvez possamos também encontrar um pouco de justiça para aquelas que nunca tiveram a oportunidade de se defender.

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