Nas vésperas da eleição de 2024, Donald Trump, ex-presidente e atual candidato republicano, tem utilizado uma estratégia questionável ao afirmar que, se contada por Deus, a votação o colocaria como o vencedor da disputa eleitoral, mesmo em estados tradicionalmente democratas como a Califórnia. Esta declaração, que beira o absurdo, é mais que uma mera hipérbole; representa uma ameaça significativa à confiança nas futuras eleições nos Estados Unidos. A retórica de Trump, repleta de alegações infundadas de fraude eleitoral, alimenta um legado de desconfiança que pode afetar a legitimidade das votações por muito tempo, mesmo após sua saída do cenário político.

É importante destacar que as alegações de fraude eleitoral, que Trump havia amplificado em 2020 após sua derrota para Joe Biden, estão novamente em alta neste ano. Ao discursar em New Mexico, ele insinuou falsamente que teria conquistado o estado em 2016 e 2020, dizendo: “Acredito que vencemos duas vezes. Se pudéssemos fazer Deus descer do céu para contar os votos, venceríamos, venceríamos a Califórnia e muitos outros estados. Você apenas precisa manter os votos honestos.” No entanto, a realidade é que Trump perdeu New Mexico em ambas as ocasiões por margens significativas de 8 e 11 pontos, e suas alegações de que poderia vencer em redutos democratas são profundamente infundadas.

Essa ausência de veracidade não é uma mera coincidência; ela faz parte de uma estratégia clara e deliberada de Trump para criar um cenário de fraude nas eleições de terça-feira. Esse comportamento pode abrir espaço para desafios legais caso ele venha a perder, alimentando ainda mais a fúria de seus apoiadores, que já estão condicionados por suas alegações anteriores de fraudes. Além disso, Trump parece estar trabalhando em sintonia com a máquina de mídia conservadora para passar a impressão de que sua vitória é uma certeza, enquanto uma vitória para Kamala Harris e os democratas seria considerada apenas resultado de fraudes.

As alegações crescentes de Trump têm se entrelaçado com um plano por parte de figuras do Partido Republicano e ativistas do grupo “Make America Great Again” para deslegitimar qualquer vitória de Harris, com ações que vão desde contestações legais até manobras em legislaturas estaduais. Relatórios recentes têm revelado detalhes sobre esses esforços, incluindo uma investigação que mostra que alguns dos mesmos ativistas que tentaram anular a vitória de Biden em 2020 estão agora desenhando um plano passo a passo para minar os resultados eleitorais caso Trump não tenha êxito novamente.

Em um movimento alarmante, autoridades republicanas têm levantado questões acerca de possíveis problemas com cédulas enviadas pelo correio na Pensilvânia. O presidente do Freedom Caucus da Câmara, Andy Harris, um republicano de Maryland, até sugeriu que seria sensato alocar os votos eleitorais da Carolina do Norte antes da contagem, devido ao risco que a passagem do furacão Helene poderia trazer para a participação dos eleitores. Embora Harris tenha posteriormente afirmado que seu comentário foi tirado de contexto, o incidente só revive os temores de que algumas legislaturas estaduais republicanas, que operam sob alegações inflacionadas de fraudes, possam ignorar a vontade do eleitorado e alocar a vitória para Trump.

Além disso, os republicanos estão promovendo ataques significativos, inclusive na Câmara dos Representantes, para destacar o que especialistas classificam como uma virtual inexistência de problemas de votação por cidadãos não autorizados. Em um caso recente, o governador da Virgínia, Glenn Youngkin, fez uma tentativa de última hora para remover 1.600 suspeitos de serem não cidadãos dos registros eleitorais, mesmo diante de preocupações de que isso poderia incluir americanos que têm direito ao voto. O Supremo Tribunal dos EUA permitiu essa ação.

CNN informou que uma onda de desinformação, impulsionada por Elon Musk, proprietário do X e apoiador de Trump, tem dificultado a tarefa de autoridades eleitorais em estados-chave para desmantelar as alegações de fraudes. O acúmulo de desafios à equidade das eleições de 2024, somado às alegações crescentes de corrupção por parte de Trump, está criando uma nova realidade surreale no que diz respeito à democracia americana, que sempre foi vista como o padrão de auto-governo para o mundo.

Tradicionalmente, é comum que partidos realizem extensas contestações legais durante as temporadas eleitorais, armando-se com advogados para questionar práticas de votação, contagem e resultados a cada ciclo eleitoral. Não obstante, a novidade reside no fato de que um candidato presidencial de grande porte ataca a legalidade e a justiça de eleições sucessivas antes mesmo de serem realizadas e adverte que só aceitará resultados com base em suas avaliações arbitrárias e frequentemente desprovidas de evidências.

Em um post no Truth Social, Trump se aproveitou de incidentes na Pensilvânia para alegar que os resultados do estado, crucial para o pleito, eram fraudulentos. Este enfoque tem impulsionado uma nova série de reivindicações autocompletantes sobre fraudes eleitorais que, em vez de sublinhar a segurança do sistema de votação americana, promove um ciclo vicioso de desconfiança.

O governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, já fez alertas ao afirmar que as alegações de Trump sobre uma suposta fraude são apenas “mais do mesmo” do ex-presidente. Seu compromisso é garantir uma eleição livre e justa no estado, enfatizando a importância de que a vontade do povo seja respeitada e protegida.

Essa nova tradição de abalar a confiança nas eleições, precocemente instaurada por Trump, pode ter um legado devastador. Pesquisas mostram que a confiança no sistema eleitoral em queda, e uma nova pesquisa da CNN indicou que os eleitores desconfiam de que Trump aceitaria um resultado negativo, enquanto 73% acreditam que Harris aceitaria uma derrota. Contudo, apesar das inquietações sobre a contagem de votos, mais de 60 milhões de americanos já registraram seus votos até o momento da eleição.

É inegável que a longevidade de uma democracia repousa sobre a confiança do povo. E se um dos candidatos não aceitar os resultados baseados nesse princípio, a essência do contrato social entre governantes e governados fica comprometida. Apesar das profundas divisões culturais e ideológicas nos EUA, sempre houve um entendimento de que as eleições podem proporcionar, ao menos temporariamente, uma resolução para disputas nacionais. O mito da confiança nas democracias foi parcialmente fraturado em 2020, quando Trump se negou a aceitar a derrota e erigiu sua campanha presidencial subsequente sobre a base falsa de que havia vencido. Gabriel Sterling, um dos principais operadores do secretário de estado da Geórgia, que se tornou uma figura emblemática da luta pela democracia em 2020, alerta que os americanos precisam se comprometer novamente com os valores fundamentais antes das próximas eleições, reiterando: “Precisamos aprender a aceitar os resultados”. Esta escolha representa a essência da democracia.

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