Charlotte, Carolina do Norte – A luta pelos direitos reprodutivos nos Estados Unidos agora se encontra na linha de frente das preocupações eleitorais de um grupo que, até recentemente, parecia ter suas prioridades em segundo plano: as mulheres mais velhas. Na era pós-Roe, muitas dessas mulheres estão se unindo para lutar por um futuro em que seus direitos e os de suas filhas e netas sejam protegidos. Entre elas está Betty Gunz, cuja experiência traumática com um aborto ilegal em 1965 moldou sua visão sobre o que significa garantir a liberdade reprodutiva. A narrativa de Gunz não é isolada; ela ecoa a de muitas mulheres que testemunharam as mudanças e retrocessos nos direitos que antes eram garantidos.
Betty Gunz havia apenas 20 anos quando foi expulsa de sua universidade após ter um aborto ilegal – uma experiência que quase lhe custou a vida. Relembrando aqueles dias sombrios, Gunz narra com frieza a dor que sentiu ao ser operada em uma mesa de cozinha e a angustiante ligação que seus pais receberam do hospital. Desde então, ela dedicou sua vida a contar sua história para garantir que outros não passem pela mesma dor. “Nós lutamos por muito tempo”, declarou Gunz, hoje com 80 anos e aposentada da psicologia. “E aqui estamos, lutando novamente”. Sua narrativa serve não apenas como um lembrete do que foi a luta histórica pela liberdade reprodutiva, mas também se torna um alerta do que pode acontecer se os direitos não forem defendidos atualmente.
Kamala Harris, a atual vice-presidente dos Estados Unidos, assentou sua campanha na defesa dos direitos reprodutivos, especialmente em resposta ao impacto do governo Trump, que indicou três juízes conservadores para a Suprema Corte e resultou no revogamento do Roe v. Wade. Harris busca transformar a indignação das mulheres – frequentemente associada a gerações mais jovens – em apoio político. Entretanto, as mulheres mais velhas estão se mostrando igualmente engajadas nesse debate, reconhecendo que, apesar de suas experiências, suas vozes precisam ser ouvidas.
Um estudo realizado pela KFF revelou que 73% das mulheres com 65 anos ou mais acreditam que o aborto deveria ser legal em todas ou na maioria das circunstâncias. Esse apoio é consistente entre mulheres de outras faixas etárias também, principalmente entre aquelas de 30 a 49 anos e 50 a 64 anos. Curiosamente, a maior porcentagem de apoio vem da faixa etária mais jovem, com 87% dos votos a favor da legalização do aborto. Embora nem todas as mulheres mais velhas coloquem o aborto no topo de suas prioridades, fica claro que há um segmento significativo que vê a luta pelos direitos reprodutivos como uma questão de justiça e igualdade para todas as mulheres, independentemente de suas idades.
O cenário político atual, especialmente em Carolina do Norte, levanta a questão sobre o impacto das mulheres mais velhas no resultado eleitoral. Em um momento em que a luta dos direitos reprodutivos se intensifica e as eleições se aproximam, as opiniões e ações dessas mulheres podem ser decisivas. Harris tem uma oportunidade real de ser a primeira candidata presidencial democrata a conquistar o apoio da faixa etária de 65 anos ou mais desde Al Gore em 2000. Além de Carolina do Norte, que é um dos cinco estados decisivos nas próximas eleições, o apoio das eleitores mais velhas pode ser a peça-chave que faltava no quebra-cabeça da conquista dos votos das mulheres.
Por outro lado, o partido republicano, sob a liderança de Donald Trump, está focando a sua campanha nas preocupações econômicas que afetam os idosos. Eles argumentam que o aumento dos custos de vida impacta diretamente os eleitores em idade avançada, cuja renda é fixa. Com promessas de proteger benefícios médicos e eliminar impostos sobre seguridade social, a visão de Trump busca garantir que o apoio desse grupo se mantenha firme. No entanto, indicações de votos antecipados mostram que as mulheres mais velhas estão se mobilizando e participando ativamente do processo eleitoral, possivelmente superando o engajamento de anos anteriores.
O ativismo dessa população se reflete em algumas ações, como as de MaryAnne Handy, uma mulher de 69 anos que, após anos fora do ativismo político, está se unindo aos democratas locais para fazer campanha por Harris. Handy, que viveu a era em que Hillary Clinton não conquistou a presidência, sente que é hora de não repetir essa história. Para ela, o direito ao aborto não é uma questão apenas das gerações mais jovens, mas um tema que atinge todas as mulheres, especialmente aquelas que viveram as consequências das restrições anteriores.
As experiências de vida de Handy e muitas outras mulheres que vivenciaram os dias pré-Roe ressaltam a urgência e a importância da luta atual. As novas restrições ao aborto nos estados, como a Carolina do Norte, que impôs um limite de 12 semanas para a interrupção da gravidez, relembram os desafios enfrentados no passado. Mesmo com algumas exceções, o tratamento de emergências médicas ainda é uma preocupação, levando mulheres a relatarem atrasos em cuidados necessários. Este panorama reforça que a batalha pelos direitos reprodutivos não é apenas uma questão de política eleitoral; é uma questão de vida.
Concluindo, a mobilização das mulheres mais velhas em torno dos direitos reprodutivos destaca a intersecção entre a experiência de vida e a política. Em um clima eleitoral tenso, a voz e o voto dessas mulheres podem ser determinantes para o futuro dos direitos reprodutivos e da igualdade de gênero. Embora a luta ainda continue e desafios permaneçam, a determinação delas em garantir que ninguém tenha que passar pelas mesmas dificuldades que enfrentaram no passado mostra um comprometimento que transcende idades, unindo gerações em uma causa comum.