Em meio ao glamour da cerimônia do Emmy em Los Angeles, onde a série Shogun conquistou 18 prêmios, o diretor japonês Takeshi Fukunaga se encontrava em uma pequena e remota vila de Hokkaido. Com uma pequena equipe, ele se dedicava a filmar um ritual envolvendo ursos, uma prática tradicional dos indígenas Ainu, que estava sendo realizada pela primeira vez em décadas. Este momento não apenas reflete as verdades culturais da comunidade Ainu, mas também destaca a missão de Fukunaga em aumentar a conscientização sobre a história e os desafios enfrentados por este povo indígena do Japão.
Fukunaga está utilizando as filmagens do ritual para um curta-metragem que vai complementar seu documentário Ainu Puri (“Caminhos Ainu”), que está em exibição no Tokyo International Film Festival deste ano. Enquanto os orçamentos de grandes produções, como Shogun e Tokyo Vice, estão longe da realidade de suas produções independentes, Fukunaga se adapta com facilidade às dois mundos. Ele valoriza as lições de cada um, sendo parte de uma atuação artística que gera um impacto significativo e necessário.
“A cinematografia independente sempre foi como voltar para casa para mim”, disse Fukunaga. “É mais livre e eu estou muito mais próximo do elenco e da equipe.” Essa conexão próxima é evidente em Ainu Puri, que retrata a vida e os costumes dos Ainu de forma sensível e autêntica.
Nas suas reflexões sobre o que significa ser parte da cultura Ainu, Fukunaga compartilha seu próprio aprendizado: “Nasci e fui criado em Hokkaido, mas nunca tive a oportunidade de aprender sobre os Ainu. Mesmo quando havia crianças Ainu na sala de aula, não sabíamos como abordar isso.” A percepção de uma lacuna no reconhecimento cultural o levou a transformar suas experiências em arte.
O documentário Ainu Puri destaca as semelhanças entre a história dos Ainu e a de outros povos indígenas ao redor do mundo, com a questão de perda de terras, linguagem e cultura. “Os povos indígenas ao redor do mundo são provavelmente as maiores vítimas do sistema capitalista”, afirmou Fukunaga. Essa perspectiva crítica e humana é um dos pilares do filme, que também é permeado por momentos de leveza e humor, principalmente devido à presença carismática de Shigeki Amanai e de sua família, que buscam recuperar tradições quase perdidas, como a pesca do salmão.
Amanai, um dos protagonistas do filme, reviveu a prática tradicional da pesca do salmão há mais de uma década, contribuindo para o esforço de preservar e transmitir os costumes de seu povo. Em um momento divertido, ele oferece a divindade sagrada Ainu do fogo um cigarro aceso, mostrando que mesmo em práticas ancestrais, o humor e a atualidade têm seu espaço.
Contudo, o filme também aborda questões mais sérias, como as dificuldades enfrentadas pelo povo Ainu, que precisam obter permissões especiais para realizar atividades tradicionais como a pesca, uma prática antiga que se tornou complexa devido a regulamentações modernas. Além disso, Fukunaga traz à tona a história das disputas territoriais entre Japão e Rússia, que deixaram os Ainu, os habitantes originais, de fora da conversa.
O passado de Fukunaga com os Ainu começou em 2020, quando realizou o filme Ainu Mosir, utilizando atores não profissionais da comunidade local, uma decisão que o ressaltou a importância de colaborar diretamente com os indivíduos que fazem parte da sua narrativa cultural. O impacto positivo dessa experiência o levou a continuar a trabalhar com a comunidade Ainu em projetos subsequentes.
Muitos japoneses têm como referência o manga e anime Golden Kamuy, que traz elementos da cultura Ainu. A versão live-action recente, que contou com atores japoneses interpretando papéis Ainu, foi criticada por Fukunaga, que considera isso inaceitável em padrões internacionais. Sua determinação em não romantizar ou fetichizar os Ainu é refletida em seu processo de edição, onde luta com a representação direta da cultura e suas nuances.
Um incidente durante a edição de Ainu Puri ressalta a complexidade desse desafio: Fukunaga cortou uma cena onde Amanai e seu filho dançam vestindo trajes tradicionais, preocupando-se que isso pudesse parecer encenado. No entanto, ao mostrar a edição para Amanai, ele expressou saudade da sequência de dança, revelando que a conexão com a cultura muitas vezes transcende a preocupação com a autenticidade.
O momento culminante do impacto visual da cultura Ainu foi quando Amanai e seu filho desfilaram com quimonos Ainu na cerimônia de abertura do Tokyo Film Festival, um evento que Fukunaga considera histórico. “Foi um momento muito especial”, afirmou Fukunaga, visivelmente emocionado. Este gesto não apenas trouxe visibilidade à cultura Ainu, mas também destacou o valor da representação e da reinvenção no mundo moderno.