No último dia 29 de outubro de 2023, a morte prematura de Nevaeh Crain, uma adolescente de 18 anos grávida, após uma série de visitas a hospitais no Texas, expôs falhas alarmantes no sistema de atendimento médico relacionado a complicações na gravidez em um contexto de severas restrições à interrupção voluntária da gestação. A mãe de Nevaeh, Candace Fails, implorou por ajuda enquanto a filha agonizava em dor, cercada pela incerteza e pelo desespero em um dos hospitais: “Façam algo!”.
A tragédia se desenrolou no dia de seu chá de bebê, quando Nevaeh se sentiu mal, delirante, sem forças para caminhar e vomitando, com sangue a manchar suas coxas. No espaço de 12 horas, a jovem foi levada a dois serviços de emergência diferentes, sendo mandada para casa em cada um deles, sem que sua condição, que se deteriorava, fosse adequadamente avaliada.
Ao chegar ao primeiro hospital, Nevaeh foi diagnosticada erroneamente com amigdalite, enquanto seus agudos cramps abdominal não foram investigados. No segundo hospital, os exames revelaram sinais de sepse, uma reação potencialmente letal a infecções, mas, para a surpresa dos responsáveis, os médicos liberaram Nevaeh, afirmando que seu feto ainda apresentava batimentos cardíacos e que ela poderia ir para casa, apesar de sua condição visivelmente grave.
Em sua terceira visita ao hospital, a obstetra exigiu dois ultrassons para “confirmar a morte fetal”. Já se passavam mais de duas horas desde sua chegada, e a pressão arterial de Nevaeh caíra drasticamente, enquanto enfermeiras notaram que seus lábios estavam “azuis e pálidos”. A falência dos órgãos já era um fato, momento em que o estado de saúde da adolescente já não era mais reversível.
Poucas horas depois, Nevaeh estava morta. Candace, sua mãe, que deveria estar comemorando o vigésimo aniversário da filha, ficou sem palavras ao refletir sobre a falta de assistência adequada durante a emergência de sua filha, repensando a omissão dos profissionais de saúde.
A complexidade do caso de Nevaeh ressalta um padrão preocupante enfrentado por mulheres grávidas em estados que implementaram rígidas proibições ao aborto, conforme afirmam médicos e advogados. A preocupação crescente demonstra que mulheres grávidas estão se tornando “essencialmente intocáveis”, um termo utilizado por Sara Rosenbaum, uma professora emérita de lei e política de saúde da Universidade George Washington.
No Texas, a proibição de abortos ameaça a prisão de médicos que realizam intervenções que podem encerrar os batimentos cardíacos fetais, seja a gravidez desejada ou não. Embora existam exceções para condições que oferecem riscos à vida, os médicos relataram que a confusão e o medo das possíveis repercussões legais estão mudando a forma como colegas tratam pacientes grávidas com complicações.
Em muitos casos, os pacientes são numa espécie de jogo de “batata quente”, onde equipes de saúde hesitam em participar do tratamento que possivelmente poderia atrair a atenção de um promotor. O tempo, um fator crucial em emergências médicas, é desperdiçado com discussões legais em vez de intervenções que poderiam salvar vidas.
Dr. Jodi Abbott, professora associada de Obstetrícia e Ginecologia na Escola de Medicina da Universidade de Boston, destacou a insegurança que permeia as decisões médicas, deixando os pacientes em dúvida: “Estou sendo mandada para casa porque realmente estou bem? Ou porque estão com medo de que a solução para o que está acontecendo com minha gravidez seria finalizar a gestação, e não estão autorizados a fazer isso?”.
Existe uma lei federal que impede médicos de emergência de negarem cuidados salvadores. Aproximadamente há quarenta anos, esta legislação exige que os serviços de emergência estabilizem pacientes em crises médicas. O governo Biden argumenta que esse mandato se aplica mesmo em casos onde um aborto possa ser necessário.
Nenhum estado fez mais para combater essa interpretação do que o Texas, que advertiu médicos que sua proibição de aborto prevalece sobre a orientação do governo federal, advertindo que os médicos podem enfrentar até 99 anos de prisão por violar a proibição.
Profissionais de saúde compartilharam suas preocupações em relação ao sistema que resulta em atrasos e tragédias, como a de Nevaeh. Eles afirmaram que as condições inadiáveis das pacientes não foram devidamente abordadas nas emergências, levando a situações onde o necessário parecia ser uma escolha entre salvar a vida da paciente e considerar o estado da gravidez.
Após a morte de Nevaeh, Candace Fails se deparou com a dura realidade de que não havia assistência jurídica disponível diante das dificuldades emocionais e legais que tinha que enfrentar. A frustração em saber que sua filha havia procurado atendimento repetidamente para uma doença em agravamento, sem conseguir a ajuda necessária, foi devastadora.
Mesmo com o apoio de familiares e amigos, a luta por respostas e justiça para sua filha continua, enquanto outros enfrentam situações semelhantes em um ambiente onde as restrições ao aborto se tornam cada vez mais severas, transformando um direito básico à saúde em um campo de batalha legal e ético. Em meio à dor e à perda, fica a pergunta: se ela tivesse recebido o tratamento adequado a tempo, teria sobrevivido? A realidade trágica é que, enquanto o estado e os profissionais de saúde hesitam, vidas são perdidas.
O caso de Nevaeh Crain se torna um microcosmo da crise de saúde enfrentada por mulheres no Texas e em outros estados com restrições severas, levantando uma balança entre legislações, ética médica e, acima de tudo, a necessidade inegável de salvar vidas. Enquanto leis de aborto se tornam mais rígidas, o que está em jogo não é apenas o direito de escolher, mas também o próprio direito à vida.