A questão da regulamentação da inteligência artificial nos Estados Unidos tem sido amplamente debatida, mas ainda não se apresentaram soluções claras e definitivas. Embora os legisladores tenham feito algumas conquistas ao longo dos últimos meses, muitos obstáculos ainda persistem, refletindo a complexidade inerente ao desdobramento de leis que possam estabelecer limites e diretrizes para essa tecnologia emergente. Os avanços pontuais em alguns estados, contrastados com os desafios enfrentados em nível federal, revelam um panorama desafiador, mas que ainda alimenta um otimismo cauteloso.
progresso na regulamentação em nível estadual e desafios federais
Recentemente, em março, o estado do Tennessee tornou-se o primeiro a implementar uma lei visando proteger artistas de voz contra a clonagem não autorizada via inteligência artificial. Essa mudança se destacou como um marco, mas representa apenas uma fração do que é necessário para uma regulamentação robusta. No verão passado, Colorado também seguiu o exemplo, adotando uma abordagem de políticas de inteligência artificial que se baseia em riscos e níveis, demonstrando intenção de se adaptar às necessidades emergentes dessa área. Em setembro, o governador da Califórnia, Gavin Newsom, sancionou um conjunto de leis relacionadas à segurança em inteligência artificial, que incluem a exigência de que as empresas divulguem informações sobre seus processos de treinamento em IA. No entanto, mesmo com essas iniciativas estaduais, a falta de uma política federal coerente, comparável ao ato sobre IA da União Europeia, continua a ser uma barreira significativa.
Durante a luta para regulamentar essa nova tecnologia, o governador Newsom viu-se forçado a vetar o projeto de lei SB 1047, que buscava estabelecer requisitos amplos de segurança e transparência para as empresas desenvolvedoras de inteligência artificial. Além disso, outra proposta, que mirava distribuidores de deepfakes em mídias sociais, foi paralisada enquanto um litígio estava em andamento. Tais episódios evidenciam a resistência de interesses especiais que frequentemente se opõem a medidas que poderiam restringir a inovação e o comércio.
um cenário otimista com caveats
Apesar dos desafios, há motivos para otimismo. Jessica Newman, co-diretora do AI Policy Hub na Universidade da Califórnia, Berkeley, apontou que muitos projetos de lei federais, mesmo não tendo sido escritos com a IA em mente, ainda poderiam abranger a tecnologia, incluindo legislações de proteção ao consumidor e de antidiscriminação. A percepção de que os Estados Unidos são um “far west” regulatório em comparação com a Europa é, segundo Newman, uma visão distorcida. Ela afirma que a realidade é mais complexa, reconhecendo que a Comissão Federal de Comércio (FTC) já tomou medidas para obrigar empresas a remover modelos de IA adquiridos de forma clandestina e investiga possíveis violações antitruste nas vendas de startups de IA para grandes conglomerados tecnológicos.
A Comissão Federal de Comunicações (FCC), por sua vez, declarou ilegais as chamadas robocalls geradas por IA, além de sugerir que o conteúdo gerado por IA em campanhas políticas seja claramente identificado. Essas ações demonstram que há um movimento em direção à regulamentação, embora ainda incipiente.
a iniciativa do governo e os desafios futuros
O presidente Joe Biden também tem buscado implementar regras que possam guiar o uso da inteligência artificial no país. Aproximadamente um ano atrás, ele assinou a Ordem Executiva sobre IA, que promove práticas de reportes e benchmarks voluntários, que muitas empresas de IA já estavam adotando. Uma das criações a partir dessa ordem executiva foi o Instituto de Segurança de IA (AISI), um órgão federal responsável por estudar os riscos associados aos sistemas de IA. O AISI opera dentro do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia e possui parcerias de pesquisa com laboratórios renomados como OpenAI e Anthropic. Contudo, a sobrevivência do AISI está atrelada à continuidade da Ordem Executiva de Biden, o que levanta preocupações a respeito do futuro da regulamentação da IA.
Em outubro, uma coalizão de mais de 60 organizações apelou ao Congresso para a aprovação de uma legislação que codifique o AISI antes do final do ano, aumentando a pressão por uma estrutura mais formal e consistente que possa abordar esses desafios.
o futuro da regulamentação de ia: um caminho incerto mas promissor
Os questionamentos sobre a viabilidade de uma regulamentação abrangente de IA nos Estados Unidos permanecem. A reprovação do SB 1047, que Newman descreveu como uma proposta de “toque leve”, foi um golpe desalentador para aqueles que esperavam um progresso substancial. No entanto, o autor da proposta, o senador do estado da Califórnia Scott Wiener, expressou confiança de que a necessidade de uma regulamentação mais ampla acabará prevalecendo. Ele afirmou que o episódio estabeleceu uma base para futuras iniciativas e que, com isso, poderia-se aumentar a coalizão em torno desse assunto, tendo em vista que o reconhecimento dos riscos associados à IA já é um consenso entre vários laboratórios de grande porte.
Por outro lado, a Anthropic recente fez um alerta sobre o potencial de catástrofe em IA caso os governos não implementem regulamentações nos próximos 18 meses. Enquanto isso, o fundador da Khosla Ventures, Vinod Khosla, disparou críticas a Wiener, chamando-o de “totalmente desinformado” para lidar com os perigos reais da IA. Em contraposição, gigantes da tecnologia como Microsoft e Andreessen Horowitz se manifestaram contra regulamentações que poderiam comprometer seus interesses financeiros, demonstrando como o debate se intensifica e se torna mais polarizado.
Newman sugere que a crescente pressão para unificar o mosaico de regras de IA em diferentes estados pode resultar em uma solução legislativa mais robusta. Somente neste ano, os legisladores estaduais introduziram cerca de 700 propostas relacionadas à inteligência artificial, evidenciando a urgência e a relevância do tema. “Acredito que as empresas não desejam um ambiente de um sistema regulatório fragmentado, onde cada estado tem regras distintas”, ponderou Newman, prevendoque essa situação resultará em um impulso para a criação de diretrizes mais claras e coerentes em nível federal, que possa aliviar a incerteza que impera neste campo.
Em suma, embora o caminho para uma regulamentação efetiva da inteligência artificial nos Estados Unidos esteja cheio de desafios e contratempos, a combinação de ações estaduais, iniciativas federais e um crescente reconhecimento dos riscos associados à IA alimenta uma esperança de que, em um futuro não tão distante, possamos alcançar um equilíbrio que favoreça a inovação responsável e a proteção dos cidadãos.