A Ucrânia, que amarga os horrores de uma guerra que já perdura por quase três anos, agora se vê forçada a lidar com a possibilidade de um retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, uma mudança que muitos temiam e à qual se prepararam em segredo. O cenário que se delineia não parece promissor, e as especulações sobre como um novo governo Trump poderia impactar o apoio ocidental a Kyiv assim como as dinâmicas da guerra são alarmantes. O que mais assusta os ucranianos é a incerteza sobre a continuidade do suporte militar de um aliado fundamental. Afinal, as promessas de um “acordo em 24 horas” feitas por Trump não são acompanhadas por clareza sobre como isso se traduziria em termos práticos e rápidos.
No decorrer dos meses que precederam as eleições nos Estados Unidos, a Ucrânia e seus aliados da OTAN se viram imersos em ponderações sobre o impacto de uma potencial vitória de Trump. A possibilidade de um presidente americano que pode se mostrar um aliado mais severo, um negociador que poderia trazer um resultado favorável ou uma cabeça nova que enxergaria um fim alternativo a uma guerra desgastante, era uma esperança. Mas, na verdade, isso acaba sendo um cenário mais fictício do que real. As declarações públicas de Trump e suas visões sobre a guerra não deixam muito espaço para otimismo. Ele criticou abertamente o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, sugerindo que a guerra poderia ter sido evitada caso o ucraniano não tivesse “deixado” o conflito se iniciar, revelando uma falta de compreensão da complexidade do que está em jogo.
As repercussões desse pensamento acabam sendo bastante sombrias. Ao se preparar para a presidência, Trump parece enxergar a guerra na Ucrânia através de uma lente distorcida, onde, apesar das perdas ucranianas em combate, o foco se desloca para a retórica sobre os custos da guerra para os Estados Unidos. O fato de que essa luta tem dado ao Pentágono uma maneira relativamente barata de desgastar o que é visto como seu segundo maior adversário, sem envolver vidas americanas, não parece importar. Para Trump, o envolvimento militar americano no exterior é caro e indesejável, e sua relação com o presidente russo Vladimir Putin — que considera fundamental — poderia ser comprometida por um apoio aberto à Ucrânia.
Enquanto isso, a resposta do Kremlin à perspectiva de uma presidência Trump parece, no mínimo, intrigante. O governo russo já demonstrou sinais de contentamento com a situação atual, sugerindo que as relações EUA-Rússia não poderiam se agravar. Novamente, essa análise poderia ser considerada uma aposta calculada, à luz da exposição das forças russas posicionadas em torno de centros militares ucranianos no Donbass. A luta em torno da região se intensifica, e a possibilidade de que o sucesso russo em Donetsk possa abrir brechas para movimentos em direção a cidades chave como Dnipro e Zaporizhzhia não pode ser ignorada.
Embora o Kremlin esteja apostando na possível vitória de Trump como um meio para ajustar suas estratégias, colocações de analistas ocidentais alertam que a taxa de causadores de baixa em suas fileiras é insustentável. Se o governo de Trump adotar uma abordagem de desencorajamento em relação à assistência militar à Ucrânia, assim como ocorreu durante a sua primeira presidência, o moral entre as tropas ucranianas pode mais uma vez sofrer um baque significativo.
Ao mesmo tempo, com uma possível recuperação do suporte militar, a situação poderá se complicar ainda mais. As lições aprendidas em experiências passadas de interferência russa em países vizinhos deveriam servir como um aviso para a Ucrânia e seus aliados. Os acordos que podem surgir sob uma administração Trump não devem ser interpretados como decisões genuínas de paz. Em contrapartida, a história sugere que Putin tende a negociar apenas para ganhar tempo enquanto se prepara para seus próximos objetivos militares.
No entanto, se Trump entrar na Casa Branca com sua postura esperada e desmantelar as alianças estratégicas de longa data, a Ucrânia poderá ver sua posição sob um risco primordial. Acreditar em um possível acordo de paz com a Rússia sob a administração Trump não é apenas duvidoso, mas potencialmente desastroso — isso poderia resultar em um engano monstruoso para um país que já enfrenta sérios desafios. A própria natureza da guerra é complexa, e as introduzidas dinâmicas moldarão não apenas as realidades no campo de batalha, mas também a saúde política e econômica da Ucrânia.
O desafio para Zelensky, em meio a essa nova dança política, aumentará colossalmente. A habilidade de Zelensky de mobilizar apoio — tanto interno quanto externo — será fundamental na luta pela sobrevivência da Ucrânia e no fortalecimento de sua mensagem. Porém, se ele se tornar uma figura carregando o fardo da administração Trump, poderá ser um obstáculo à habilidade de representar as necessidades reais de seu país e suas aspirações por um futuro mais seguro.
No entanto, para aqueles que desejam que a guerra finalmente apresente uma solução, a ideia de um acordo mediado por Trump deve ser tratada com cautela. A lógica mostra que, uma vez que se faz concessões à Rússia, a dinâmica em jogo pode mudar drasticamente. A guerra se arrasta longamente, e uma tentativa de sacrifício em favor de um acordo deve ter firme resistência. As lições da história são claras: as feridas infligidas devem ser tratadas, e não procrastinadas através de negociações que apenas oferecem benefícios a um agressor faminto como Putin.
Resta às nações ocidentais e, especialmente à Ucrânia, se manterem resilientes em suas demandas e abordagens estratégicas, independente da liderança que tomar as rédeas na presidência dos Estados Unidos. Afinal, a comunidade internacional precisa entender que ter medo da Rússia nunca seria um caminho viável. A coragem de lutar, de se unir e de se erguer em face da opressão sempre foi e sempre será a maior força de resistência que a Ucrânia pode oferecer ao mundo.