A expectativa de empreendedores é que suas startups aumentem continuamente as rodadas de financiamento a valores cada vez maiores. No entanto, desafios inesperados, como crises de saúde globais ou uma súbita alta nas taxas de juros, podem impactar significativamente a capacidade de uma empresa em manter seus valores de avaliação. Nesse cenário, algumas startups podem se ver obrigadas a realizar o que chamamos de “down rounds”, que consistem em novos financiamentos realizados a um valor inferior ao da avaliação anterior da empresa. Embora fundadores e investidores geralmente se esforcem para evitar essas rodadas, é um equívoco acreditar que esses acordos causam um impacto devastador no futuro de uma startup.
Nikhil Basu Trivedi, cofundador da Footwork, compartilhou uma experiência marcante durante o evento TechCrunch Disrupt 2024. Ele mencionou que o primeiro investimento de sua empresa, iniciado em 2021, foi uma recapitalização em down round de uma companhia que teve que realizar uma mudança total de estratégia em decorrência da pandemia de COVID-19. O negócio inicial estava inserido no mercado de moradias universitárias, que sofreu uma queda drástica logo que a crise sanitária se instalou. A Footwork, então, reestruturou a tabela de capital da companhia e criou um novo pool de opções de ações para toda a equipe. A nova operação, uma plataforma de assinatura para restaurantes chamada Table22, acabou “sobrevivendo e prosperando a partir dessa experiência”. Recentemente, a Table22 anunciou uma rodada de financiamento Série A no valor de 11 milhões de dólares, liderada pela Lightspeed Venture Partners.
Contudo, nem todas as empresas que enfrentam down rounds conseguem uma recuperação completa e satisfatória. Elliott Robinson, sócio da Bessemer Venture Partners, observou que, caso uma empresa esteja enfrentando dificuldades, “é razoavelmente provável que alguém no seu setor ou um concorrente esteja lidando com muitos dos mesmos desafios”. Robinson instou as startups a não desistirem em meio a tal incerteza, reforçando que “se você passou por um down round, tudo bem”. Em um ambiente de mercado desafiador, essa pode ser uma verdadeira vitória. Embora os fundadores possam não enxerguem ou sintam isso imediatamente, houve momentos em que o mercado se abre para aqueles dispostos a persistir, mesmo que isso leve de quatro a seis trimestres após a rodada de reavaliação.
Empresas proeminentes que enfrentaram perdas de avaliação incluem a Ramp, que tinha um valor de mercado de 5,8 bilhões de dólares no ano passado, representando uma diminuição de 28% em relação ao seu preço anterior de 8,1 bilhões de dólares. Entretanto, a fintech recuperou parte de seu valor em abril, quando a Khosla Ventures a avaliou em 7,65 bilhões de dólares. Observa-se que as rodadas de reavaliação não eram comuns durante o boom da pandemia, mas a sua ocorrência como proporção de todos os acordos mais do que dobrou, passando de 7,6% em 2021 para 15,7% na primeira metade de 2024, conforme dados da PitchBook.
Os preços das startups despencaram consideravelmente após o aumento das taxas de juros pelo Federal Reserve dos EUA, e muitas empresas continuam superavaliadas em relação ao seu desempenho, conforme afirmou Dayna Grayson, cofundadora da Construct Capital. Algumas dessas empresas estão consideradas como potenciais candidatas a down rounds, mas, para muitos fundadores, esses acordos trazem um estresse considerável, visto que, em um down round, tanto os funcionários quanto os fundadores acabam tendo uma porcentagem menor de participação na empresa.
Grayson apontou que “o que mais aterroriza muitos fundadores é como gerenciar a moral da equipe”. Contudo, ela assegura que é possível incentivar as pessoas mesmo em situações de down rounds. Robinson, que acompanhou três empresas de seu portfólio em rodadas estáveis ou em queda no último ano e meio, abordou como investidores motivaram os funcionários e executivos de uma dessas empresas para permanecerem engajados após um down round. Ele explicou que, apesar da perda de valor que todos experimentaram, os investidores criaram um fundo de bônus com o intuito de recompensar toda a equipe com bônus em dinheiro se conseguissem atingir um crescimento de receita de 60% dentro de um determinado período. Robinson também ressaltou que fundadores e altos executivos receberiam opções de ações adicionais caso atingissem metas específicas de receita, destacando que “isso permitiu que fizéssemos as metas da empresa e da equipe executiva bem transparentes”, o que “lembrava as pessoas de que o negócio fundamental ainda é sólido”.
A pergunta que paira na mente de muitos capitalistas de risco atualmente é o que acontecerá com diversas empresas de inteligência artificial que estão levantando capitais a altas avaliações. Dayna Grayson opinou que “seria difícil argumentar que não há avaliações inflacionadas no mercado agora”. Basu Trivedi, investidor em várias startups de IA, incluindo a ferramenta detetora de IA GPTZero, afirmou que muitas dessas empresas “têm os fundamentos que justificam a agitação e as avaliações”, mas logo completou que ainda é complicado determinar quais delas de fato terão sucesso. “Algumas dessas categorias estão tão competitivas”, destacou, “com cerca de 20 empresas fazendo algo realmente semelhante”.