O ator irlandês Cillian Murphy, amplamente reconhecido por seu papel em “Oppenheimer” e outros sucessos cinematográficos, trouxe à luz questões importantes de um dos períodos mais sombrios da história da Irlanda com seu novo filme “Small Things Like These”. Baseado no aclamado livro de Claire Keegan, a nova produção não só marca a estreia de Murphy como produtor, mas também destaca a urgência de discutir temas como abusos institucionais e a repressão de mulheres na sociedade irlandesa. O filme estreará nos cinemas dos Estados Unidos nesta sexta-feira e já está em exibição no Reino Unido, prometendo impactar o público com seu retrato sensível e corajoso.
Muitos não sabem, mas a semente deste projeto cinematográfico foi plantada durante a pandemia de Covid-19, quando Murphy leu “Small Things Like These” e ficou profundamente impactado. Apesar de se sentir “abafado” pela história, foi sua esposa, Yvonne McGuinness, quem sugeriu que ele transformasse o livro em um filme. Após a sugestão, Murphy se viu guiado por uma combinação de inspiração e responsabilidade ao tocar em uma narrativa que possui ressonâncias profundas com a história recente da Irlanda.
O enredo da obra gira em torno das chamadas “Magdalene laundries”, instituições onde mulheres grávidas e não casadas eram encurraladas e submetidas a um trabalho forçado sob a égide da Igreja Católica. Ao assumir o papel do comerciante de carvão Bill Furlong, um pai de cinco filhas que vive em uma cidade irlandesa nos anos 80, Murphy não apenas representa um papel central na narrativa, mas também encarna a luta contra o controle opressivo da Igreja sobre a sociedade. Na trama, Bill atravessa uma série de tormentos emocionais que culminam em uma crise existencial à véspera do Natal.
A complexidade da história se desdobra quando Furlong se depara com o sofrimento das jovens que encontra enquanto entrega carvão no convento local. O contraste entre a inocência e alegria de suas filhas e a aflição das mulheres que trabalha na lavanderia é palpável e foi intencionalmente construído para provocar uma reflexão profunda no público. Murphy descreve seu personagem como alguém que está se aproximando de um colapso emocional, a atmosfera opressiva da cidade e a influência controladora da Igreja criando uma tensão que culmina em momentos dramáticos que questionam a moralidade e os limites da compaixão.
Em confrontos diretos com a hierarquia do convento, onde a madre superiora, interpretada pela atriz Emily Watson, deixa claro até onde chega seu poder, o filme revela um sistema que historicamente infligiu dor e sofrimento àqueles que tentaram se rebelar contra seu domínio. A sensação de impotência de Bill se torna um eco poderoso da fragilidade de muitos que viveram sob essas instituições punitivas, revelando não apenas o trauma individual, mas um trauma coletivo que ainda é sentido na sociedade irlandesa contemporânea.
Embora “Small Things Like These” possa parecer um filme discreto comparado a outras produções de grande escala, como “Oppenheimer”, é exatamente sua sutileza que gera um impacto significativo. A jornada moral de Bill é emblemática do que significa confrontar o passado e os sistemas de opressão ao qual muitos irlandeses ainda estão processando e compreendendo. Além disso, a narrativa aborda a misoginia enraizada na sociedade, uma questão que permanece crucial e relevante na sociedade contemporânea.
Em uma demonstração clara de que o passado não é tão distante assim, em um contexto maior, o governo irlandês introduziu recentemente um esquema de compensação para sobreviventes das instituições de mães e bebês, enquanto em sua vizinha, a Irlanda do Norte, inquéritos públicos sobre essas casas estão em andamento. A dificuldade da sociedade irlandesa em lidar com as realidades do que aconteceu a milhares de mulheres e crianças faz deste filme uma contribuição importante para as discussões sociais atuais.
Recentemente, o Vaticano também lançou um relatório inicial sobre iniciativas de proteção infantil, indicando que a Igreja ainda enfrenta desafios sérios em assegurar que abusos clericais sejam devidamente reportados, evidenciando a necessidade de mudanças radicais em suas práticas internas. Os questionamentos trazidos por “Small Things Like These” estimulam uma nova reflexão e, talvez, uma nova visão sobre o que é necessário para curar as feridas do passado.
Esta marca não apenas a estreia da empresa de produção de Murphy, “Big Things”, mas é também um filme que lhes propõe grandes discussões e reflexões. A produção conta ainda com a colaboração de grandes nomes de Hollywood, como Matt Damon e Ben Affleck, que estão a bordo como executivos produtores, o que promete levar a mensagem do filme a um público mais amplo.
Portanto, ao assistirem “Small Things Like These”, os espectadores não só acompanharão a narrativa de Bill Furlong, mas serão convidados a refletir sobre questões que vão além do filme, ricas em temas sociais e morais que ressoam na atualidade. A estreia nos cinemas americanos marca um momento importante nas conversas sobre como o passado profundamente entranhado da Irlanda continua a moldar sua identidade, e o papel da arte em expor verdades necessárias.