A carência de financiamento para tecnologias essenciais de código aberto está levando a um aumento significativo de apoio por parte de startups, unicórnios, corporações e até mesmo empresas de capital de risco. Este fenômeno evidencia um reconhecimento crescente da importância do software livre e open source (FOSS) na infraestrutura tecnológica contemporânea. À medida que o número de projetos de código aberto cresce, surgem iniciativas ambiciosas voltadas à arrecadação de fundos, que prometem remodelar o ecossistema de desenvolvimento tecnológico.
No ano passado, a Bloomberg deu um passo importante ao lançar seu fundo FOSS, compromissado com o investimento de até $90.000 anualmente em diversos projetos. Em um movimento que chamou a atenção da indústria, a companhia indiana de serviços financeiros Zerodha apresentou a iniciativa FLOSS/fund, prometendo $1 milhão por ano para apoiar projetos de código aberto. A justificativa? Conforme afirmou o CTO da Zerodha, Kailash Nadh, “uma parte significativa do nosso sucesso e crescimento é atribuída ao FOSS”. Pelas palavras de Nadh, pode-se inferir que muitas empresas de tecnologia, especialmente as fundadas na última década, dependem em grande parte do código aberto, mesmo que isso não seja explicitamente reconhecido.
Enquanto um número crescente de empresas desenvolve modelos de negócios baseados em software open source, nem todos os projetos conduzidos pela comunidade são adaptáveis a entidades comerciais. Algumas ferramentas de código aberto assemelham-se mais a blocos de Lego: componentes essenciais de uma pilha de software, mas que são difíceis de monetizar diretamente, especialmente nos primeiros estágios. Esta realidade tem levado a um aumento contínuo de iniciativas de financiamento. Em resposta às vulnerabilidades de segurança que surgiram com o Log4Shell em 2022, empresas de grande porte se uniram para prometer $30 milhões para reforçar a segurança de código aberto. Contudo, também existem esforços proativos emergindo de várias esferas da indústria.
Em um exemplo recente, o Sequoia Capital, um famoso fundo de venture capital do Vale do Silício, lançou em 2023 uma bolsa de estudos para projetos de código aberto, oferecendo capital sem equity para cobrir despesas de vida por até 12 meses. O primeiro beneficiado desta iniciativa foi o colombiano Sebastián Ramírez Montaño, criador do FastAPI, um framework web de código aberto voltado para construção de APIs. Em fevereiro, o Sequoia anunciou que começaria a aceitar candidaturas de qualquer desenvolvedor à frente de um projeto de código aberto, com planos de fornecer financiamento para até três projetos qualificados a cada ano. Após nove meses, os dois primeiros bolsistas do programa ampliado do Sequoia foram revelados: o Chatbot Arena, uma popular ferramenta de benchmarking de modelos de IA de código aberto, e o vLLM, uma biblioteca de código aberto focada em gerenciamento de memória para aumentar a eficiência nos serviços de grandes modelos de linguagem.
O Chatbot Arena, que se desdobrou de uma organização de pesquisa mais ampla chamada LMSYS, é resultado do trabalho dos estudantes de doutorado Wei-Lin Chiang e Anastasios Angelopoulos, do Sky Computing Lab de Berkeley. Com mais de 1 milhão de usuários mensais, o Chatbot Arena visa ajudar desenvolvedores de modelos de LLM a validar suas informações sobre o desempenho de modelos, permitindo que qualquer usuário teste esses modelos e vote de acordo com suas preferências. Empresas como OpenAI frequentemente compartilham versões de seus modelos com a equipe do Chatbot Arena antes do lançamento oficial para refinar ainda mais suas implementações. Embora o Chatbot Arena receba financiamento como parte do trabalho de pesquisa dos criadores, a bolsa do Sequoia no valor de $100.000 contribuirá para o desenvolvimento técnico do projeto, incluindo a criação de uma interface aprimorada.
Além do Sequoia, outras firmas de capital de risco também estão se comprometendo com suportes sem equity para projetos de código aberto. A Andreessen Horowitz, por exemplo, lançou um programa de bolsas de IA de código aberto em agosto do ano passado, e o Chatbot Arena foi um dos beneficiados da segunda coorte recebendo esse incentivo. A necessidade de alternativas sustentáveis de financiamento é vista como crucial pelos criadores do Chatbot Arena, que têm a intenção de estabelecer uma organização sem fins lucrativos para administrar o leaderboard, mantendo o foco em acessibilidade ampla e impacto comunitário.
De modo análogo, o laboratório Sky Computing de Berkeley também originou o vLLM em 2022. O projeto foi liderado por pesquisadores que desenvolveram um sistema para distribuir processos complexos de forma mais eficiente através de múltiplas GPUs. Utilizando um novo algoritmo de atenção chamado PagedAttention, o vLLM visa minimizar o desperdício de memória e já está sendo utilizado por desenvolvedores de empresas como AWS, Cloudflare e Nvidia. Os criadores do vLLM afirmam que, atualmente, não há plano para transformar o projeto em uma entidade comercial, focando exclusivamente em tornar o projeto de código aberto útil e amplamente adotado.
O apoio financeiro a esses projetos de código aberto não ocorre sem desafios. O professor Ion Stoica, da divisão de ciência da computação da Berkeley, relata que a pressão de financiamento sobre os mantenedores de projetos de código aberto aumentou substancialmente, especialmente com a evolução dos modelos de LLMs. Com um cenário muito mais complexo, as necessidades de infraestrutura têm superado as da contratação de novos colaboradores, fato que reflete as dinâmicas atuais de investimento e desenvolvimento no setor de tecnologia.
Dentre as diversas iniciativas, destaca-se a “Open Source Pledge”, promovida pela Sentry, uma startup unicórnio de ferramentas de desenvolvedor. O objetivo central dessa promessa é encorajar outras empresas a se envolverem na doação a projetos de código aberto. As diretrizes desse compromisso incluem contribuições anuais de pelo menos $2.000 por cada desenvolvedor que a empresa possui, o que, no caso da Sentry, se traduziu em cerca de $500.000 no ano passado. Esse comprometimento é um importante passo em direção à resolução da crise de sustentabilidade enfrentada pelos projetos de código aberto, estimulando assim uma maior compensação para seus mantenedores.
Portanto, ao analisarmos o impacto das iniciativas de financiamento sobre o ecossistema de código aberto, é evidente que, embora a demanda por tecnologias de código aberto esteja crescendo, a monetização e a sustentabilidade desses projetos continuam a exigir soluções inovadoras e práticas colaborativas. A permanência e relevância de projetos como Chatbot Arena e vLLM dependem não apenas do suporte financeiro, mas também da colaboração contínua entre as empresas de tecnologia e as comunidades que se dedicam a desenvolver softwares open source.