A história de Hattie DeBardelaben, uma mulher negra morta durante uma abordagem policial em Alabama em março de 1945, finalmente começa a ser contada. Após quase oito décadas de silêncio e incerteza, sua neta, Mary DeBardelaben, está obtendo as respostas que sempre buscou sobre a brutalidade e a injustiça sofridas por sua avó. O caso, que ficou em muitos aspectos nas sombras da história americana, foi reavivado com a recente liberação de documentos federais que revelam os detalhes trágicos do que aconteceu naquele dia fatídico.

Mary DeBardelaben havia feito uma promessa a si mesma, diante do retrato em sua sala, de que um dia descobririam a verdade sobre a morte de sua avó. Hattie, na época com 46 anos, foi assassinada por quatro oficiais de polícia que a espancaram em busca de uísque ilegal. Para Mary, a dor e a confusão em torno da morte de Hattie foram agravadas pelo silêncio de seu pai, Edward, que nunca falou sobre o terror que sua família vivenciou em Autauga County.

Nos anos que se seguiram, Mary buscou informações sobre o caso, tendo contatado várias organizações dedicadas ao registro de abusos de direitos civis durante a era Jim Crow, mas sem sucesso. No entanto, um evento inesperado em sua vida mudaria tudo. Recentemente, ela recebeu um envelope espesso com 69 páginas de documentos que detalhavam os momentos finais de Hattie. Mary se despediu de sua rotina ao se afundar em um sofá, enquanto as lágrimas escorriam por seu rosto, ao descobrir finalmente o que havia acontecido com sua avó.

Esses documentos foram liberados pelo National Archives and Records Administration (NARA) quase 79 anos após a morte de Hattie, sob a nova Lei de Coleção de Registros de Casos Frios de Direitos Civis, sancionada em 2019. Esta legislação, que visa investigar casos não resolvidos de abusos aos direitos civis, permite que familiares de vítimas busquem respostas sobre os crimes que assolaram suas vidas. De acordo com a co-presidente do conselho de revisão, Margaret Burnham, a morte de Hattie, embora desconhecida para a maioria, exemplifica a violência que muitos negros americanos sofreram em um período em que os direitos civis eram frequentemente ignorados.

O trágico dia em que a brutalidade policial marcou uma família

Os documentos revelaram uma detalhada narrativa da invasão policial ocorrida em 23 de março de 1945. Hattie estava fazendo tarefas domésticas, lavando roupas em sua casa, quando três agentes federais e um deputado chegaram. Eles a acusaram de vender bebida ilegal, uma prática que refletia a opressão das leis de Jim Crow, que restringiam a venda de álcool a negros. A situação rapidamente se transformou em uma brutalidade sem precedentes.

De acordo com relatos, Hattie tentou defender seu sobrinho, que havia sido agredido pelos oficiais. Ao se colocar entre ele e a polícia, Hattie foi violentamente derrubada e espancada. Figuras inicialmente destinadas a proteger a comunidade transformaram-se em perpetradores de uma violência terrível. Neste momento caótico, o filho de Hattie tentou chamar seus irmãos para ajudar, apenas para ser confrontado com armas. O clímax desse dia sombrio se deu quando Hattie, enquanto implorava por sua vida, foi colocada no fundo de um carro da polícia, onde começou a vomitar. Ela faleceu durante o trajeto para a delegacia, deixando uma família devastada em sua esteira.

O que aconteceu depois somente intensificou a sensação de injustiça. O médico legista que examinou seu corpo relatou que sua cabeça “caiu”, indicando uma possível fratura no pescoço, mas as autoridades alegaram que Hattie tinha problemas cardíacos e registraram a causa da morte como um ataque cardíaco. O deputado envolvido, Clyde White, posteriormente negou qualquer responsabilidade e, ironicamente, ascendeu ao cargo de xerife do condado.

Encontro de respostas e uma busca por justiça

Casi oito décadas após a tragédia, Mary e seus irmãos afirmam que os documentos finalmente proporcionaram algumas respostas sobre o que aconteceu com sua avó. As revelações, embora dolorosas, trouxeram um senso de fechamento, mas não de justiça. Mary expressou que um verdadeiro reconhecimento da dor infligida à sua família pela brutalidade desmedida da lei exigiria um reconhecimento formal e uma possível responsabilização dos culpados. Até mesmo uma reunião com os descendentes de Clyde White poderia ser um caminho para compartilhar a dor que suas ações causaram ao longo de gerações.

Com o aniversário de 75 anos se aproximando, Mary reflete sobre o presente mais significativo que poderia receber: a verdade sobre sua avó. Nesta Ação de Graças, ela planeja compartilhar os detalhes de seu passado ameaçador com a família, esperando não apenas educar, mas promover uma compreensão mais profunda da injustiça racial. “Quero apresentar de uma maneira que meus sobrinhos e sobrinhas entendam, sem que eles odeiem brancos, mas que reconheçam o que ocorreu naquele tempo,” afirma.

Assim, enquanto as páginas da história de Hattie DeBardelaben finalmente começam a ser viradas, a luta por justiça continua. O que era uma mera promessa de uma neta agora se transforma em um apelo por reconhecimento, verdade e redenção para uma era marcada pela brutalidade e a opressão.

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