Em meados da década de 2000, eu vivenciei a efervescência de um festival de cinema de renome internacional, mais especificamente, o Toronto International Film Festival, e um momento peculiare nele: a estreia de Borat, onde Sacha Baron Cohen apareceu montado em um cavalo. A recepção da plateia se tornou secundária quando, após um problema técnico, o projetor parou de funcionar. O diretor Michael Moore se tornou o improvável reparador, enquanto Cohen decidiu entreter o público com uma performance de stand-up inusitada que durou cerca de quarenta e cinco minutos. Isso se tornou um marco emblemático em minha memória cinematográfica, muito mais do que as conversas sobre as premiações e suas formalidades superficiais, que geralmente focam nos trajes de gala e na opinião de críticos sobre os melhores desempenhos.
Esses momentos espontâneos e autênticos estão na essência do que a temporada dos prêmios representa. A conexão emocional e a adaptação às adversidades podem ser vistas através das experiências de cineastas que, assim como Cohen, não hesitam em se transformar diante da multidão, comprometidos com suas visões. Analisando a atual temporada de prêmios, me pergunto: o que realmente nos une durante esses momentos de celebração e disputa no mundo do cinema? A verdade é que, além dos roteiros e da cinematografia, reside a coragem e a essência das histórias que ecoam as verdadeiras lutas da humanidade. O que importa, em última análise, não são apenas as estatuetas e troféus, mas a narrativa coletada através das experiências compartilhadas que inspiram e promovem a união em torno do campo artístico.
Recentemente, tive a oportunidade de interagir com o cineasta iraniano Mohammad Rasoulof durante outro festivalinemático, e sua trajetória revela mais sobre a natureza humana e a persistência. Rasoulof, que tem enfrentado a opressão política e prisões em seu país por meio de sua arte, continua realizando filmes sem hesitar, mesmo sob a constante ameaça da censura e da prisão. Sua mais recente produção, The Seed of the Sacred Fig, foi filmada clandestinamente, integrando imagens reais das manifestações do ‘Women Life Freedom’ que ocorreram no Irã em 2022. O seu tenaz espírito e a resiliência diante da adversidade são lembranças paradoxalmente semelhantes ao humor irreverente e à ingênua coragem que caracterizam a atuação de Cohen. Os cineastas, em suas diversas formas, são movidos pelo desejo de contar histórias e de abarcar a complexidade da condição humana, muitas vezes enfrentando obstáculos profundamente dolorosos e constrangedores em sua jornada até o sucesso, seja em um festival de cinema ou ao receber uma premiação. Assim como a brava resolução de Rasoulof o levou a escolhas impossíveis, sua história, e a de muitos outros cineastas, ecoa em nossos corações, mesmo quando nos aventuramos a discutir o simples glamour das premiações do cinema.
Assim, à medida que nos preparamos para a temporada de prêmios, não podemos simplesmente nos deixar levar pelas luzes brilhantes de Hollywood e da dúvida que frequentemente acompanha as premiações. É nosso dever não esquecer que o verdadeiro reconhecimento e apreciação do cinema vão além das taças e elogios— eles são encarnados nas narrativas que nos fazem rir, chorar e, em última análise, nos fazem refletir. Independentemente do resultado, a beleza do cinema reside na capacidade de contar histórias que cruzam fronteiras e tradicionais limites, e que espelham a mais profunda essência da capacidade humana de perseverar contra as adversidades.
Em nossa jornada nos próximos meses, esperemos ver ajustes e reinvenções por parte de cineastas apaixonados. O que realmente nos une, talvez, seja a luta pelo reconhecimento de histórias autênticas que inevitavelmente seguirão piscando através dos olhos da indústria cinematográfica, mesmo em face do obstáculo da indiferença.
Por fim, ao celebrarmos o espírito humano nas narrativas que construímos e nas histórias que contamos, vamos permitir que a temporada de prêmios nos lembre de que cada vitória merece ser reconhecida não apenas pelas estatuetas, mas principalmente pelo impacto que elas têm em nossas vidas e na sociedade.
Esta matéria originalmente foi publicada na edição de novembro da revista The Hollywood Reporter. Para receber a revista, clique aqui para assinar.