Noite inusitadamente quente de novembro na capital dos Estados Unidos. Um grupo de algumas dezenas de pessoas se reuniu em uma esquina, em frente à prisão mais movimentada da cidade, onde, por 800 noites consecutivas, têm se encontrado para vigiar e protestar contra a prisão dos infratores do Capitol em 6 de janeiro. Contudo, nesta noite, havia uma atmosfera de celebração. Um dos apoiadores destacou, erguendo um brinde: “Um brinde ao Presidente Trump,” referindo-se ao resultado da manhã anterior, quando Trump foi anunciado como presidente eleito. Essa é a realidade que se desenrola na confluência de apelos por clemência e as complexas considerações políticas que cercam o seu esperado governo.
Micki Witthoeft, a líder do grupo e mãe de Ashli Babbitt, uma veterana da Força Aérea que foi fatalmente baleada durante a insurreição, representava não apenas o sofrimento pessoal, mas também o clamor coletivo de uma ala da população americana que considera os detidos como prisioneiros políticos. Em meio a essa vigília, uma questão persistente pairava sobre os apoiadores: o que Trump fará em relação ao seu compromisso de perdoar os envolvidos no tumulto do Capitol? A expectativa é que Trump, durante sua campanha, cumpra sua promessa de libertar esses “prisioneiros políticos,” como eles são carinhosamente chamados por seus apoiadores. Contudo, a questão é mais do que mera expectativa; trata-se de um dilema que poderia impactar significativamente sua presidência.
Esses protestos fazem parte de um movimento mais amplo que tem pressionado pelas liberdades dos réus do 6 de janeiro, mesmo diante da percepção pública em larga medida negativa. Uma pesquisa recente mostrou que a maioria dos americanos encara os invasores do Capitol como os responsáveis por um ataque à democracia, o que coloca Trump em uma posição delicada. Além de atender a demanda de sua base leal, fazer concessões a esses manifestantes poderia alienar uma fração significativa do eleitorado e enfurecer aliados dentro do próprio Partido Republicano, que até agora tem defendido uma linha mais conservadora no que se refere a clemência para os envolvidos na violência daquele dia.
No seu discurso de vitória, Trump reforçou o tema da lealdade, prometendo que “mantivemos nossas promessas.” No entanto, até o momento, pouco foi dito sobre os eventos de 6 de janeiro, o que gera insegurança entre tanto seus apoiadores quanto seus críticos. De acordo com John Pierce, advogado de vários réus do 6 de janeiro, “se o presidente não conceder perdões a todos, ele enfrenta consequências significativas.” Jeffrey Crouch, um dos principais especialistas em perdões presidenciais, observa que Trump enfrenta “uma decisão difícil: ele pode optar pela inação e permitir que os processos judiciais sigam ou, por outro lado, usar seu poder de clemência de maneira abrangente.” Existe um reconhecimento crescente das implicações dessas decisões, que não se limitam a quem deve ser perdoado, mas abrangem as dificuldades políticas que Trump enfrentará dentro do contexto mais amplo da sua administração.
O peso da decisão de Trump: desculpas e reivindicações familiares
Conceder perdão ou comutar penas poderia minar um dos maiores inquéritos criminais da história dos EUA, que resultou na prisão de mais de 1.500 apoiadores de Trump. Dentre os detidos, 46% foram condenados por infrações de baixo nível, enquanto 33% por felonias, como agressões. O que complica a visão de perdão é a incerteza em torno de como os demais réus serão tratados dentro desse contexto. A pressão está sobre esse movimento paralelo, onde membros da família de réus, como Savannah Huntington, aguardam ansiosamente por mudança. Huntington, cuja mãe, Rachel Powell, estava entre os condenados, expressou seu otimismo ao afirmar que, com a vitória de Trump, “minha mãe está voltando para casa.”
Por trás das câmeras, os advogados dos réus do 6 de janeiro trabalham incansavelmente para buscar clemência, enquanto aguardam para ver se Trump cumprirá suas promessas. Os mais preocupados incluem aqueles que estão programados para reportar-se às prisões antes da posse de Trump em janeiro. A instabilidade é palpável; advogados já estão formulando petições para a Justiça, na esperança de que as promessas de Trump se concretizem em ações tangíveis.
A fundadora de um movimento de apoio, Suzzanne Monk, tem chamado a atenção para a necessidade de um plano de ação robusto, destacando que “essa pressão pode ajudar a garantir que o presidente cumpra sua função.” A crescente mobilização ao redor do perdão dos prisioneiros do dia 6 de janeiro parece estar se consolidando como uma extensão das manobras e rituais que já moldaram outras campanhas de mobilização do MAGA. Desde então, vários grupos têm se formado, reunindo recursos e estratégias para garantir que as demandas por clemência sejam ouvidas e atendidas.
A intensificação do movimento por clemência e seus desdobramentos
O movimento ao redor do 6 de janeiro ilustra não apenas uma busca por justiça, mas também um desejo de reconstruir a narrativa em torno dos eventos que chamaram a atenção do mundo. Grupos surgem como o “American Patriot Relief,” que promove um programa de “adote um J6er,” e outros que produzem material informativo e de apoio às famílias dos réus. A pressão por clemência, apoiada por estratégias de mobilização, coloca Trump em uma posição onde ele deverá não apenas atender os anseios de seus apoiadores, como também considerar suas ações sob uma luz crítica diante da sociedade americana.
Ainda que o poder de conceder perdões seja constitucionalmente absoluto, Trump enfrenta um dilema político enorme. Não existem obstáculos legais que o impeçam de perdoar os réus – porém ele terá que equilibrar a sua decisão com as expectativas de seus apoiadores e com a reação da sociedade. Uma recente pesquisa constatou que 69% dos americanos se opõem a perdões para os condenados do 6 de janeiro, colocando mais pressão sobre a tomada de decisão de Trump. Embora muitos em sua base defendam clemência, incluindo potenciais problemas políticos, líderes republicanos como Tom Cotton desaprovam pardons para aqueles que atacaram policiais. Esta é uma situação que exige habilidade política e sensibilidade diante da equidade do sistema judicial.
Em última análise, a decisão de Trump sobre o perdão aos criminosos do 6 de janeiro é um reflexo de não apenas seu compromisso com seus apoiadores, mas também o risco de perder a confiança do eleitorado mais amplo. “É um golpe na cara,” diz um ex-oficial da polícia do Capitólio, expressando o anti-clímax de sucesso que poderia vir com clemência. Cada movimento dentro dessa trama política poderá ter consequências que ressoarão através de sua presidência e continue a influenciar o debate público sobre a democracia e o papel da lei nos Estados Unidos.