No mundo atual da comunicação, a percepção das empresas de mídia em relação à inteligência artificial (IA) não é das mais favoráveis. Afinal, essa tecnologia já foi usada para substituir repórteres por textos gerados automaticamente, enquanto diversas startups têm se apropriado do trabalho de jornalistas para alimentar suas bases de dados sem oferecer um retorno de tráfego aos editores, como era o modelo das antigas ferramentas de busca. No entanto, uma nova iniciativa chamada Particle, desenvolvida por ex-engendedores do Twitter, visualiza uma potencial contribuição positiva da IA para o setor de mídia, ajudando os leitores a compreender melhor as notícias, aprofundar-se em histórias relevantes e, ao mesmo tempo, apoiar as empresas de comunicação.
Com um financiamento inicial de impressionantes $4,4 milhões, oriundos de investidores como Kindred Ventures e Adverb Ventures, a Particle foi fundada no ano passado por Sara Beykpour, ex-Diretora Sênior de Gestão de Produto do Twitter, reconhecida por seu trabalho em produtos como Twitter Blue e Twitter Video. Ao seu lado, está Marcel Molina, ex-engenheiro sênior do Twitter e da Tesla. Juntos, eles buscam redefinir a forma como as notícias são consumidas, oferecendo uma experiência que valoriza tanto o leitor quanto o editor.
Do ponto de vista dos consumidores, a essência do Particle é ajudar os leitores a interpretar as notícias através da tecnologia de IA. Diferente de uma simples sumarização de textos em pontos-chave para uma rápida leitura, este aplicativo oferece uma gama de características que possibilitam diferentes abordagens sobre as notícias. A proposta é clara: proporcionar uma experiência enriquecedora que não apenas informa, mas contextualiza e convida os leitores a interagir com o conteúdo.
A mais interessante das propostas do Particle é seu compromisso em retribuir aos editores de conteúdo. Em vez de extrair informações sem dar crédito, como muitos serviços fazem, a Particle busca compensar as publicações e direcionar o tráfego de volta para os sites de notícias, destacando e vinculando suas fontes diretamente nas resenhas geradas por IA. Para dar início a essa parceria, o aplicativo já firmou acordos com algumas editoras, como Reuters, AFP e Fortune, permitindo que parte de seu conteúdo seja hospedado na plataforma através de APIs. Os parceiros têm sua visibilidade aumentada, com links destacados em destaque dourado.
Os testes iniciais da versão beta revelaram que os leitores estão acessando os sites das publicações devido ao design e à interface do aplicativo. À medida que o Particle se torna disponível para um público mais amplo, fora do segmento dos aficionados por notícias, a expectativa é que essa interação cresça ainda mais. No futuro, a empresa planeja explorar outras formas de colaborar com as editoras, além de roteirizar o tráfego de referência. Beykpour destacou a importância de parcerias profundas e colaboração mútua como um dos pilares do projeto.
O aplicativo também possui uma seção de artigos com alvos de clique ampliados, facilitando o acesso para os leitores. Outro aspecto interessante é a exibição das fotos dos jornalistas junto aos seus textos, permitindo que os leitores sigam esses profissionais através de links para perfis de publicações e ampliem sua experiência informativa.
Utilizando as ferramentas de IA embutidas no aplicativo, os consumidores de notícias podem variar os modos de leitura, com opções como “explique como se eu tivesse 5 anos”, que fornece versões simplificadas de histórias complexas, ou resumos que destacam “apenas os fatos”, resgatando as cinco perguntas clássicas: quem, o que, quando, onde e por quê. Além disso, é possível ter as notícias resumidas em idiomas distintos do inglês ou ouvir resumos em áudio enquanto aproveita essa experiência em movimento. O Particle também possibilita que os usuários extraírem citações importantes e links de referência das histórias.
Um dos recursos mais intrigantes do aplicativo é a ferramenta denominada “Lados Opostos”, que visa romper com bolhas informativas ao apresentar diferentes pontos de vista sobre uma mesma matéria. Esse modelo já foi adotado por outros aplicativos de notícias, mas o Particle se destaca ao incluir um espectro que ilustra como as notícias são reportadas em sites com inclinação política “vermelha” ou “azul”, colocando bolhas que indicam a distância da esquerda ou da direita na representatividade do assunto e a quantidade desproporcional de cobertura de uma perspectiva em relação a outra. A inteligência artificial também é programada para resumir as posições opostas, proporcionando aos consumidores de notícias a oportunidade de formar suas próprias opiniões.
Além disso, outro recurso marcante do Particle é um chatbot de IA, permitindo que usuários perguntem sobre uma história e recebam respostas instantâneas. O aplicativo oferece perguntas sugeridas e questões previamente feitas por outros. Por exemplo, ao ler sobre os planos de imigração de Trump, o usuário poderia questionar ao chatbot sobre os “desafios legais potenciais aos planos de deportação de Trump” ou “quais seriam os custos potenciais da deportação em massa”, entre outros. O Particle, então, usa sua tecnologia de IA para buscar essas respostas e verificar sua precisão.
Beykpour revelou que a funcionalidade de chat utiliza tanto a tecnologia OpenAI quanto outros métodos próprios de pré-processamento e pós-processamento para obter as respostas necessárias. Isso inclui a busca de informações adicionais na web a fim de gerar respostas completas e acuradas, além de uma etapa adicional que coleta materiais de suporte para apoiar as respostas fornecidas.
A plataforma incorpora tecnologias como GPT-4o e GPT-4o mini da OpenAI, assim como soluções da Anthropic, Cohere, e outras ferramentas mais tradicionais que não são baseadas em LLMs (Modelos de Linguagem de Aprendizado Profundo) do Google. A empresa assegura que sua tecnologia reduz os problemas de precisão da IA, que antes ocorriam uma vez a cada 100 tentativas, diminuindo essa probabilidade para 1 em 10.000 casos.
À medida que a Particle cresce, a empresa planeja também contar com editores humanos para ajudar na curadoria do conteúdo gerado pela IA e na gestão de sua página inicial. Atualmente, o aplicativo está disponível para download gratuito no iOS e é compatível com iPhone e iPad. Ao unir tecnologia inovadora e uma abordagem colaborativa com os editores, o Particle promete ser um marco em um novo jeito de consumir notícias, deixando uma mensagem clara: a IA pode, sim, ser uma aliada no mundo da informação quando utilizada da maneira correta.