Recentemente, uma emocionante e reveladora fotografia capturada por Kiana Hayeri, uma fotojornalista iraniana-canadense, se tornou um símbolo poderoso da luta e resiliência das mulheres no Afeganistão sob o regime do Talibã. Na imagem, três garotas vestidas com longos vestidos estão posicionadas em uma sala decorada com balões e serpentinas, compõem uma cena que, à primeira vista, poderia ser apenas mais uma festa de aniversário. No entanto, quando notamos que os rostos das jovens estão avertidos da câmera, entendemos que a imagem transcende a aparente normalidade de comemorações da adolescência. Através desse retrato, que captura um aniversário secreto em Cabul, nos deparamos com uma narrativa mais profunda sobre a vida sob um regime opressivo.
Após a rápida retirada das tropas americanas do Afeganistão em 2021, o Talibã reassumiu o poder e, com isso, estabeleceu uma rotina de vigilância cada vez mais rígida sobre a vida das mulheres. Inicialmente prometendo respeitar os direitos femininos, a realidade logo se transformou em uma verdadeira imposição de restrições, com as mulheres praticamente varridas da vida pública. O atual cenário forçou meninas a se esconderem até mesmo durante celebrações e momentos significativos como os aniversários. O grupo, que sempre demonstrou uma ideologia patriarcal, beneficiou-se da estrutura familiar tradicional para controlar as mulheres, usando pais e maridos como instrumentos de submissão.
A imagem capturada de forma tão sensível é parte de um projeto que documenta a vida diária de mulheres afegãs e o que se perdeu durante os anos de opressão. O trabalho de Hayeri, em colaboração com a pesquisadora francesa Mélissa Cornet, é intitulado “No Woman’s Land” e, recentemente, recebeu reconhecimento através do Prêmio de Fotojornalismo Carmignac. A exposição, que ocorre em Paris, apresenta uma variedade de fotografias, vídeos e obras colaborativas com meninas afegãs, tornando-se um importante meio de denunciar a violência e discriminação que as mulheres enfrentam no país.
Durante a criação desse projeto, Hayeri e Cornet visitaram sete províncias, onde se reuniram com mais de 100 mulheres, revelando uma diversidade de experiências em um país que se divide entre realidades urbanas e rurais. A história das garotas que celebraram seu aniversário na fotografia é apenas uma entre muitas que refletem perdas imateriais de uma geração inteira, à medida que a esperança para o futuro se desvanece. “Sem minimizar a gravidade da situação… há muitas camadas”, observou Cornet. O Afeganistão é um país heterogêneo onde as mulheres nas zonas rurais nem sempre tiveram acesso às oportunidades de igualdade que as urbanas começaram a experimentar nas últimas duas décadas.
Além de documentar a dura repressão, as fotojornalistas também se concentraram em momentos de alegria e resistência. Apesar da proibição de música e dança em público, as jovens da festa tocaram músicas em seus celulares e dançaram entre si, compartilhando sua vivência de forma clandestina nas redes sociais. As pequenas práticas de beleza, como trançar cabelos ou aplicar maquiagem, tornaram-se atos de resistência em um clima onde cada gesto carregava significados profundos. “A resistência para as mulheres afegãs não pode ser apenas ir às ruas e protestar; resistir é também existir”, destacou Hayeri, enfatizando a importância de manter suas identidades em um contexto que busca apagá-las.
Através de sua narrativa visual, Hayeri e Cornet trazem à tona histórias não contadas de dor e luta, mas também de celebração e amor. Apesar de mães enfrentando dificuldades para alimentar seus filhos e famílias que lidam com os suicídios de garotas retiradas da escola, ainda há espaço para “bolsões de alegria”. “É importante pensar na alegria como uma forma de resistência. Existe realmente algo profundo na forma como seguimos em frente, mesmo quando não há esperança”, declararam ambas em uma entrevista. Essas jovens não são apenas vítimas em um sistema opressivo; elas são testemunhas e protagonistas de suas próprias histórias, mostrando que a verdade e a beleza ainda podem surgir sob as circunstâncias mais desafiadoras.