A recente decisão da Índia de enviar outro filme e não “All We Imagine as Light” para os Oscars surpreendeu muitos críticos e cinéfilos. O longa-metragem, dirigido e escrito por Payal Kapadia, é uma profunda e tocante ode à resiliência das mulheres, abrangendo três gerações em uma narrativa que reflete as complexidades das relações humanas em meio a normas sociais muitas vezes draconianas. Com lançamentos programados para o dia 15 de novembro de 2024, trata-se de uma produção cinematográfica que merece ser melhor avaliada, principalmente pela força de suas personagens que vivem à margem das expectativas sociais. A manifestação de suas experiências de vida se torna uma janela pelas quais os espectadores podem se identificar e refletir sobre suas próprias realidades.
A trama se desenrola na vibrante e caótica cidade de Mumbai, que, por si só, funciona como um quarto personagem da narrativa. A história central gira em torno de Prabha, uma enfermeira vivida por Kani Kusruti, que recebe um presente de sua marido, que se mudou para a Alemanha logo após o casamento. Esse presentinho aparentemente simples considerou ser um divisor de águas em sua vida, levando-a a questionar sua existência e o que realmente significa para ela a intimidade e o amor. Ao seu lado, a jovem Anu, interpretada por Divya Prabha, enfrenta um dilema de amor oculto, visto que se vê envolvida romanticamente com Shiaz, cuja diferença religiosa resulta em encontros clandestinos. Por outro lado, Parvaty, uma cozinheira do hospital interpretada por Chhaya Kadam, se vê numa encruzilhada devido à sua saúde debilitada e à vontade de retornar a sua vila. Essas três mulheres, cada uma com suas particularidades e seus desafios próprios, estabelecem uma rede de apoio que é fundamental para que enfrentem a instabilidade de suas vidas.
O filme se destaca não apenas por suas performances estelares, mas também pela habilidade de Kapadia em explorar as emoções de seus personagens. “All We Imagine as Light” se revela uma narrativa sensível e envolvente que permite ao espectador adentrar nos sentimentos mais íntimos de suas personagens. Os laços que se formam entre elas trazem à tona a importância da solidariedade feminina, especialmente em momentos de incerteza. Enquanto Prabha lida com sua melancolia e a ausência do marido, é o suporte silencioso e encorajador de Anu e Parvaty que faz a diferença em sua rotina repleta de desafios. A complexidade das suas relações revela como as mulheres podem encontrar força uma na outra, mesmo nas situações mais extenuantes.
A cinematografia, realizada por Ranabir Das, contribui enormemente para a experiência imersiva que o filme proporciona. As cenas de Mumbai, pulsante e caótica, reforçam a ideia de que as personagens estão sempre em movimento – não há um sentido de que essa cidade possa de fato ser chamada de lar por elas. As transições de close-ups que capturam as expressões das protagonistas para panorâmicas vibrantes da cidade comunicam de forma eloquente os desafios que enfrentam. Apesar de sua beleza e ritmo cativante, o filme também não escapa de algumas falhas. A apresentação de Prabha, por exemplo, poderia ter sido mais aprofundada; suas motivações e o impacto emocional do presente recebido do marido permanecem, em certos momentos, em um nível superficial, tornando difícil a conexão emocional completa com ela.
Além disso, a narrativa sofre de um ritmo irregular, onde o desenvolvimento da história parece oscilar entre momentos de pura contemplação e sequências que lagam o espectador à espera de evolução. A técnica de Kapadia é intencionalmente lenta e observadora, mas isso, muitas vezes, transforma um drama emocional em um marasmo que exige paciência do público. No entanto, mesmo com essas ressalvas, “All We Imagine as Light” se revela uma jornada reflexiva, repleta de nuances que são cuidadosa e carinhosamente treinadas ao longo do filme. Cada cena, cada diálogo sutil, e cada interação entre os personagens adicionam uma camada de profundidade que torna a experiência significativa e impõem o espectador a refletir sobre as complexidades da vida em uma cidade como Mumbai.
Ao final, “All We Imagine as Light” está agora disponível em um número limitado de cinemas, com uma expansão programada para o dia 22 de novembro. Embora tenha uma duração de 118 minutos e ainda não possua uma classificação definida, sua proposta de estudos de personagens torna evidente que estamos diante de um filme que desafia a convenção do que é um drama cinematográfico moderno. Ao traçar um retrato íntimo das dificuldades que essas mulheres enfrentam, Kapadia oferece há um espaço para discutir questões sociais relevantes numa sociedade em constante transformação.