Nos últimos anos, o cuidado com a saúde tem se transformado, especialmente no que diz respeito ao controle e monitoramento de doenças crônicas, como o diabetes. Historicamente, verificar os níveis de glicose no sangue exigia uma picada no dedo para coletar algumas gotas de sangue em uma tira de teste, um processo que se tornava repetitivo e desconfortável para muitos, especialmente para aqueles que necessitam desse controle várias vezes ao dia. No entanto, com a chegada dos monitores contínuos de glicose (CGMs) na década de 1990, essa situação começou a mudar. Esses dispositivos médicos portáteis oferecem uma alternativa inovadora, permitindo que os usuários monitorem seus níveis de glicose em tempo real por meio de sensores colocados sob a pele, que enviam alertas quando os valores se desviam de uma faixa predefinida.

Inicialmente, os CGMs eram prescritos apenas para pessoas com diabetes tipo 1, uma condição em que o corpo não produz insulina, o hormônio essencial que transporta a glicose do sangue para as células, onde é utilizada como energia. Com o aumento dos casos de diabetes tipo 2, que se caracteriza pela resistência do corpo à insulina, a cobertura por planos de saúde se expandiu, permitindo que também aqueles que necessitam de terapia com insulina obtivessem prescrições para esses dispositivos. Contudo, restava uma lacuna significativa: pessoas com diabetes tipo 2 que não usam insulina e aquelas com pré-diabetes ainda dependiam da picada no dedo para monitorar seus níveis de glicose. Esse cenário começou a mudar recentemente, com a aprovação pela Agência de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) do primeiro CGM disponível sem receita médica, chamado Sistema de Biossensor de Glicose Dexcom Stelo. Este novo dispositivo é direcionado a pessoas com 18 anos ou mais, que possuem diabetes tipo 2 sem uso de insulina ou que estão em pré-diabetes.

A importância de monitorar os níveis de glicose no sangue não pode ser subestimada. Níveis elevados de glicose a longo prazo podem resultar em danos permanentes a diversas partes do corpo, como olhos, nervos, rins e vasos sanguíneos. Ao utilizar um CGM, as pessoas têm a oportunidade de ajustar sua dieta, medicação e níveis de atividade física, evitando picos ou quedas perigosas nos níveis de açúcar no sangue. O dispositivo de Stelo é, em termos de funcionalidades e precisão, semelhante aos modelos prescritos disponíveis no mercado. Em ambos os casos, os usuários têm a possibilidade de sincronizar os dispositivos com seus smartphones para obter leituras em tempo real.

A diabetes tipo 2 é predominantemente caracterizada pela resistência à insulina. Embora no início o corpo consiga produzir a quantidade necessária desse hormônio, as células não respondem de maneira eficaz. Por essa razão, o tratamento frequentemente se concentra menos na terapia insulínica e mais em modificações no estilo de vida, como na dieta e na prática de exercícios físicos, que podem oferecer melhorias na sensibilidade à insulina e auxiliar no controle dos níveis de glicose. Além disso, o uso de medicamentos orais ou injetáveis também pode ser recomendado para melhorar a eficácia da insulina. Ao monitorar regularmente os níveis de glicose e fazer os ajustes necessários na dieta, exercícios e medicação, muitos conseguem controlar a diabetes sem precisar usar insulina.

A dieta desempenha um papel crucial no controle dos níveis de açúcar no sangue, uma vez que os carboidratos impactam diretamente a glicose. Portanto, gerenciar a quantidade e o tipo de carboidratos consumidos pode ajudar a manter os níveis de glicose estáveis. Alimentos com baixo índice glicêmico, como grãos integrais e vegetais, são importantes, pois liberam açúcar no sangue de forma gradual, ao contrário dos alimentos de alto índice glicêmico, como arroz branco e doces, que provocam aumentos rápidos nos níveis de glicose. A prática regular de exercícios também contribui para a gestão dos níveis de açúcar no sangue ao aumentar a sensibilidade à insulina, permitindo que as células utilizem a glicose de maneira mais eficiente, além de promover a perda de peso e reduzir o estresse, que pode, por sua vez, elevar os níveis de glicose.

Os CGMs foram projetados para monitorar os níveis de glicose, e não para entregar insulina, que é usualmente gerida através de dispositivos separados, como bombas de insulina ou injeções. No entanto, alguns sistemas avançados de gestão do diabetes integram CGMs com bombas de insulina, ajustando automaticamente a entrega de insulina com base nas leituras de glicose, o que ajuda a manter os níveis sob controle. Patricia Peter, MD, endocrinologista da Yale Medicine, observa que a possibilidade de adquirir um CGM sem receita médica é benéfica para muitas pessoas com pré-diabetes e para aqueles com diabetes tipo 2 que não utilizam insulina, como os tratados com agonistas de GLP-1, como o semaglutida (conhecido pelo nome comercial Ozempic®). Essa alternativa se torna ainda mais atrativa para indivíduos que não se sentem confortáveis com agulhas.

“As picadas nos dedos são desconfortáveis, principalmente porque as extremidades dos dedos possuem uma grande quantidade de terminações nervosas”, explica Dr. Peter. “Elas também são inconvenientes, principalmente em ambientes de trabalho, onde a pessoa precisa encontrar um local adequado e privativo para realizar o teste, além de se preocupar em esterilizar a área. Todo esse processo pode ser bastante complicado”. Contudo, o custo do Stelo pode ser um impeditivo, já que atualmente os planos de saúde não cobrem esse dispositivo, que custa cerca de $99 e inclui dois sensores, cada um com duração de até 15 dias.

Dra. Peter relata que alguns pacientes acabam pagando do próprio bolso por monitores contínuos de glicose, pois consideram útil ter um retorno imediato sobre como os alimentos que ingerem afetam seus níveis de glicose. “Isso motiva as pessoas a observarem como alimentos, exercícios e bebidas podem afetá-las em tempo real”, afirma. Caso o custo seja uma barreira, a médica sugere que um monitoramento intermitente de glicose pode ser uma alternativa viável. “Caso você não consiga verificar seus níveis de açúcar durante todo o mês, pode realizar os testes por pelo menos duas semanas, o que lhe dará uma noção dos seus níveis. Com isso, poderá fazer ajustes na dieta e exercícios e retornar ao uso das picadas até o final do mês. Isso é especialmente válido para pessoas com diabetes tipo 2, que geralmente requerem menos monitoramento do que aqueles em pré-diabetes”, sugere ela.

Ademais, a Dra. Peter aponta que a utilização de um sistema como o Stelo pode ser interessante para indivíduos sem diabetes, mas que estão preocupados com seus níveis de açúcar. “Aqueles que têm histórico familiar de diabetes, por exemplo, e desejam reduzir o risco a longo prazo, podem se beneficiar ao monitorar seus níveis”. Embora muitas mulheres que tiveram diabetes gestacional não precisem de tratamento pós-parto, elas ainda permanecem com um risco maior de desenvolver diabetes no futuro. Echter, para uma pessoa saudável, sem fatores de risco, a Dra. Peter expressa sua apreensão sobre a utilidade de um CGM. “Não tenho certeza do que alguém faria com esse tipo de informação. É fácil reagir de forma exagerada se não souber o que os números realmente significam. Nesse caso, é crucial ter um profissional de saúde que lhe ajude a interpretar esses dados em vez de tentar fazê-lo sozinho”, conclui.

Em suma, Dr. Peter recomenda que qualquer pessoa interessada em utilizar um CGM consulte primeiro seu profissional de saúde para esclarecer dúvidas e definir a melhor abordagem para o seu perfil de saúde.

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