Quando o cineasta Sean Baker e o diretor de fotografia Drew Daniels se uniram para criar Anora, eles tinham um objetivo ousado em mente: ser o mais “ant-Hollywood” possível. O filme, que está sendo exibido no festival de cinema Camerimage de 2024, reflete uma estética e uma narrativa que desafiam as convenções da indústria cinematográfica tradicional.
“Isso está no nosso DNA”, afirma Daniels, que já havia trabalhado com Baker em Red Rocket. O desejo de ambos por uma abordagem que valorize o cinema independente e as influências europeias é evidente em Anora, que conta a história de Ani, uma trabalhadora do sexo, e suas interações com o filho de um oligarca russo, interpretado por Mark Eydelshteyn.
Baker se inspirou em clássicos do cinema europeu, como Nights of Cabiria, de Federico Fellini, mas o estilo visual de Anora é marcado por uma homenagem a thrillers de Nova York dos anos 70. A decisão de filmar em película 35 mm acrescenta uma textura que reforça essa estética nostálgica e visceral.
O papel da cinematografia é crucial na construção da narrativa do filme. Daniels descreve a abordagem de Baker como minuciosa, com um foco claro em cada quadro. “Ele tem uma ideia muito específica do que quer, e isso torna o processo muito colaborativo. Ele edita seus próprios filmes e passamos um tempo considerável no set discutindo a edição antes mesmo de filmarmos”, conta.
Em uma conversa com The Hollywood Reporter antes da exibição de Anora no Camerimage, Daniels compartilhou suas experiências de filmagem, destacando a liberdade para improvisar dentro de um controle rigoroso. Um exemplo disso é a cena do tribunal, onde os atores foram encorajados a explorar suas próprias interpretações, enquanto em outra sequência, a execução foi deliberadamente precisa e coreografada, lembrando o estilo dos filmes de ação de Hong Kong.
“A cena de invasão domiciliar foi a mais desafiadora. Filmamos em tempo real, cobrindo 28 páginas do roteiro em contínua duração. Isso se revelou um verdadeiro teste de habilidade, especialmente com as condições climáticas imprevisíveis que enfrentamos durante a filmagem”, revela Daniels, enfatizando como a iluminação não convencional pode criar um efeito mais autêntico e palpável.
Daniels e Baker também assistiram a filmes nova-iorquinos da década de 1970 como The French Connection e The Taking of Pelham 1 2 3 para se inspirar na estética da câmera, favorecendo tomadas longas e uma sensação de autenticidade que se alinha à gritante vulnerabilidade da personagem Ani, interpretada por Mikey Madison.
“Queríamos observar Ani interagindo com seus clientes de uma maneira íntima, quase como se fôssemos uma mosquinha na parede”, explica Daniels sobre a configuração da cena de abertura, filmada dentro de um verdadeiro clube de strip-tease. “Era um espaço apertado e, se algo não estivesse perfeitamente ajustado, isso seria parte do conceito. A imperfeição, na verdade, enriquece a experiência”, acrescenta.
A visão de Baker e Daniels faz de Anora não apenas um filme, mas um manifesto contra as normas estabelecidas em Hollywood. A intenção é clara: abraçar a independência e evocar a verdadeira essência do cinema, proporcionando uma obra que ressoe com os amantes da sétima arte que buscam autenticidade e emoção.
O Camerimage 2024, dedicado à arte da cinematografia, já pode ser considerado um palco para a revolução de ideias que filmes como Anora estão promovendo, unindo cineastas visionários que assim como Baker e Daniels, estão dispostos a desafiar e reinventar o que significa contar histórias no século XXI.
Assim, à medida que Anora se desenrola nas telas do festival, um novo horizonte se abre tanto para o cinema independente quanto para a cinematografia artística, convidando o público a refletir sobre o futuro das narrativas visuais e a sua evolução no espaço cultural contemporâneo.