A política nos Estados Unidos muitas vezes se desenrola como uma trama de ficção, com reviravoltas inesperadas e rivalidades acirradas. Em um cenário que poderia muito bem ser o enredo de um filme emocionante, o ex-presidente Donald Trump se prepara para um possível retorno ao cargo e, com isso, uma nova fase de intensas disputas políticas. No centro dessa conturbada narrativa está um movimento crescente de grupos ligados a Trump que buscam expor e demitir funcionários considerados “parciais” dentro do governo federal. O objetivo é claro: criar um governo totalmente alicerçado em sua visão política conservadora.
No início de setembro, o bilionário da tecnologia Elon Musk intensificou suas tentativas de reeleger Trump como presidente. Essa movimentação coincidiu com uma onda de solicitações enviadas ao Departamento de Transporte, demandando o acesso a emails e mensagens de texto trocados por funcionários do governo sobre Musk e seu império tecnológico. Esses pedidos eram apenas os últimos de uma longa lista de solicitações feitas por grupos aliados a Trump, que nos últimos dois anos têm focalizado suas atenções em identificar indivíduos considerados de “esquerda” no serviço público. As solicitações variam desde investigações sobre programas de diversidade, equidade e inclusão, até tentativas de descobrir quem compartilhou informações confidenciais com jornalistas.
Essa busca intensa por “traidores” dentro do governo federal representa uma verdadeira caçada às bruxas, provocando um calafrio entre as agências que estão se preparando para um segundo mandato de Trump. Com a promessa de diminuir o tamanho da administração federal e eliminar funcionários civis vistos como entraves à sua agenda, o trabalho desses grupos fornece um mapa detalhado que poderia facilitar uma purgação em massa de cargos governamentais.
No entanto, a intenção do novo governo Trump em utilizar o trabalho realizado por esses grupos permanece em aberto. Apesar de um porta-voz de sua equipe de transição não ter respondido a solicitações de comentários, a influência do Heritage Foundation Oversight Project, coordenado por Mike Howell, se faz sentir. Howell destacou que a organização já enviou cerca de 65 mil pedidos de informações aos órgãos federais através da Lei de Liberdade de Informação, evidenciando a magnitude dessa caça.
Além disso, outros grupos conservadores, como o America First Policy Institute, também têm se engajado nesse processo, pedindo acesso a materiais de treinamento sobre diversidade e dados sobre cargos seniores nos órgãos governamentais. As listas de alvos disparadas por organizações como a American Accountability Foundation, que identificou 60 funcionários do Departamento de Segurança Interna que seriam um obstáculo aos planos de deportação em larga escala de Trump, ilustram ainda mais a seriedade dessa caçada.
Embora Howell e seus colegas de ativismo afirmem não ter conversas diretas com a campanha de Trump, eles expressam confiança de que a administração entrante está ciente de suas atividades. O movimento tem alarmado funcionários e sindicatos que representam trabalhadores federais, levando a um clima de incerteza e apreensão. Um membro de um sindicato da Agência de Proteção Ambiental (EPA) descreveu o processo como uma possível “armação” de e-mails internos, com recomendações de que os trabalhadores reduzam ao máximo a documentação escrita.
A indignação dos sindicatos se traduz em uma resposta estratégica: esforços de relações públicas e alianças com membros do Congresso na esperança de expor a situação e criar um sentimento de vergonha pública contra os grupos alinhados a Trump. Everson Kelley, presidente da Federação Americana de Funcionários Públicos, articulou essa defesa, afirmando que “nós não vamos ficar parados enquanto qualquer líder político – independentemente de sua filiação – desrespeita a Constituição e nossas leis.”
Com Trump fazendo promessas de reverter uma ordem executiva de 2020 que possibilitaria demissões em massa de funcionário federais considerados obstáculos, as questões em torno de como essas medidas seriam implementadas continuam sem resposta. O Heritage Foundation, embora tenha sido denunciado durante a campanha por seu projeto controverso para segundo mandato conhecido como Projeto 2025, continua sendo uma fonte vital para a equipe de transição de Trump. Além disso, o America First Policy Institute também mantém relações estreitas com a equipe de transição, com Linda McMahon, ex-chefe da Administração de Pequenos Negócios, ocupando uma posição proeminente no conselho da organização.
Desse modo, o panorama que se desenha para a administração de Trump apresenta um desafio significativo não apenas para funcionários atuais, mas para a democracia americana como um todo. Com a aplicação de estratégias que sobrecarregam e tentam purgar o serviço público, o destino de milhões de trabalhadores e a integridade do governo estão em jogo. Se a história serve de guia, poderá haver resistência, mas a pressão por uma mudança de grande escala é palpável, mostrando que a luta pela alma da administração pública americana está longe de um fim.