A questão da obesidade no Reino Unido nunca foi tão debatida como agora, especialmente com o recente foco do governo na utilização de medicamentos para perda de peso como uma solução potencial para problemas econômicos e de saúde pública. Remédios como Wegovy e Ozempic são vistos como revoluções da medicina moderna, prometendo não apenas a melhoria da saúde dos indivíduos, mas também a recuperação de forças laborais que se encontram inativas devido a problemas relacionados ao excesso de peso. Neste amplo contexto, a proposta do governo britânico de aproveitar esses medicamentos para reduzir o desemprego levanta discussões acaloradas entre especialistas na área da saúde e economia.

O Secretário de Saúde Britânico, Wes Streeting, expressou otimismo em relação aos medicamentos para perda de peso, declarando em uma colunista no Telegraph que esses “injetáveis para perda de peso podem ser transformadores para muitos, ajudando-os a retornar ao mercado de trabalho, além de aliviar a pressão sobre nosso Serviço Nacional de Saúde (NHS)”. Além disso, Streeting destacou que a obesidade atualmente gera um ônus significativo para o NHS, custando cerca de £11 bilhões (aproximadamente $14 bilhões) anualmente, e que os indivíduos com sobrepeso tendem a faltar em média quatro dias a mais de trabalho por ano, impactando negativamente a economia do país.

Para abordar este cenário, o governo decidiu financiar um ensaio clínico de cinco anos do medicamento Mounjaro, também conhecido como tirzepatide, em parceria com a Eli Lilly. O estudo busca coletar dados sobre a qualidade de vida dos participantes e as mudanças em seus estatutos trabalhistas, bem como na frequência de faltas ao trabalho. Contudo, essa iniciativa não está isenta de crítica. Profissionais de saúde expressam preocupações de que a demanda por novos tratamentos superaria a capacidade do sistema público de saúde, que já está sobrecarregado. Mais medidas para prevenir a obesidade desde o início são urgentemente necessárias, afirmam os especialistas.

Debate Intenso sobre as Soluções para a Obesidade no Reino Unido

Os números sobre obesidade no Reino Unido não são animadores. Aproximadamente 29% dos adultos na Inglaterra são considerados obesos, assim como 15% das crianças entre 2 e 15 anos, conforme o mais recente Health Survey for England. Essa condição se tornou a segunda maior causa de morte prevenível no país, logo após o tabagismo, sendo também um fator de risco para uma série de doenças graves, como diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares, demência e vários tipos de câncer.

O Primeiro-Ministro Britânico, Keir Starmer, manifestou a necessidade de abordar a questão da obesidade de forma inovadora, mencionando que a pressão sobre o NHS, que sofre com escassez de pessoal e pressões orçamentárias, requer uma nova abordagem que considere o uso de medicamentos para perda de peso. No entanto, especialistas em obesidade sustentam que, devido à já elevada carga sobre o sistema de saúde, é difícil implementar tais medicamentos em larga escala, e que as soluções precisam ser mais abrangentes e fundamentais.

“A ideia de que isso é a solução para a obesidade é uma completa fantasia. Precisamos ainda prevenir o maior número possível de casos”, destacou Alfred Slade, líder de assuntos governamentais da Obesity Health Alliance. A análise da OHA sobre os medicamentos de perda de peso existentes, como Wegovy, revelou que é praticamente impossível garantir que esses tratamentos estejam amplamente disponíveis.

Nos últimos tempos, cerca de 4,1 milhões de pessoas no Reino Unido com excesso de peso atendem aos critérios para receber Wegovy pelo sistema de saúde nacional, no entanto, menos de 50 mil pessoas ao ano realmente recebem o tratamento, devido ao subfinanciamento dos serviços do NHS e à falta de profissionais, mesmo com um aumento no financiamento previsto para o futuro.

“Estamos falando de frações de frações de frações de pessoas, mesmo sob uma expansão muito cara do acesso atual ao tratamento”, afirmou Slade. Para tentar melhorar o acesso, o governo também está ampliando o uso do medicamento Mounjaro para pacientes obesos além daqueles com diabetes tipo 2, prevendo que até 250 mil pessoas nos próximos três anos possam se beneficiar do tratamento.

A OHA alerta que não está claro como o governo vai financiar os medicamentos, ou como planeja suportar o tratamento necessário que deve acompanhar a prescrição, como orientação dietética e apoio a atividades físicas, para garantir que os pacientes não percam massa muscular juntamente com a gordura.

Experientes profissionais de saúde em obesidade também expressam receios em relação ao ensaio governamental que estuda a ligação entre medicamentos para perda de peso e emprego, argumentando que a necessidade médica deve sempre ser o fator determinante por trás das prescrições. “Os serviços de gerenciamento da obesidade devem estar disponíveis para todos que possam se beneficiar, mas onde a priorização tem que ser feita, isso deve ser feito com base na necessidade clínica, e não no potencial econômico do paciente”, escreveu Jack Doughty, oficial sênior de políticas da Diabetes UK.

É essencial notar que, segundo o ministério da saúde do Reino Unido, a NHS trata os pacientes com base na necessidade clínica e não prioriza aqueles que estão desempregados. “Este governo está comprometido em enfrentar essa questão de forma urgente, mudando nosso foco do tratamento para a prevenção como parte de nosso plano de saúde de dez anos”, declarou um porta-voz do Departamento de Saúde e Assistência Social.

A Prevenção Precoce e os Benefícios Econômicos Significativos

Um dos problemas centrais com relação aos medicamentos para perda de peso é que eles estão “lidando com os sintomas, e não com a causa” da obesidade, segundo Martin White, professor de pesquisa em saúde populacional da Universidade de Cambridge. Especialistas enfatizam que é necessário abordar ambos os aspectos da questão. “Estamos, de certa forma, medicalizando um problema que é, na verdade, um problema societal”, comentou White, ressaltando que o aumento acelerado nas taxas de obesidade está diretamente correlacionado ao crescimento da disponibilidade de alimentos processados e fast food na sociedade, com ingredientes baratos como açúcar, gorduras e sal cada vez mais presentes na dieta da população.

Essencialmente, trata-se de um problema que afeta toda a população, e não apenas um pequeno grupo de indivíduos. Para enfrentar essa situação, precisamos encontrar formas de alterar o contexto ou o ambiente que leva as pessoas a consumir tantas calorias em excesso. Uma solução seria implementar impostos mais altos sobre produtos não saudáveis. Por exemplo, o imposto do Reino Unido sobre refrigerantes açucarados já resultou na redução da quantidade de açúcar presente nesses produtos e estudos indicam que o aumento de preço tem desencorajado alguns consumidores. Há, portanto, crescentes pedidos para que alimentos com açúcar e sal sejam tributados de maneira semelhante.

Além disso, especialistas recomendam que a alimentação saudável seja servida nas instalações do setor público, como escolas, hospitais e prisões, sugerindo que intervenções desse tipo deveriam ser adotadas também no setor privado, se empresas e fornecedores de alimentação corporativa forem obrigados a oferecer opções saudáveis. Em instituições de ensino, ainda existem problemas relacionados à implementação das regulamentações que já existem para alimentos saudáveis, outra área que poderia beneficiar de maior supervisão e investimento. Um relatório governamental chamado a ampliação do acesso a refeições escolares gratuitas e nutritivas.

Concluindo, “o que temos visto é que as crianças estão começando a ganhar peso desde muito cedo”, comentou White. “Se pudermos prevenir a obesidade desde cedo, as economias em termos de cuidados de saúde podem se revelar enormes.”

Por último, embora mudar todo um sistema alimentar seja mais desafiador do que simplesmente prescrever um remédio, enfrentar um problema de obesidade que afeta aproximadamente um terço dos adultos britânicos exigirá múltiplas soluções em todos os setores da sociedade. “Não existe uma solução mágica para a obesidade”, enfatizou a Obesity Health Alliance.

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