Se você não tem ido a uma concessionária de automóveis nos últimos tempos, é melhor se preparar para uma verdadeira surpresa. O termo que melhor descreve o que muitos compradores estão experimentando é o “choque do adesivo”. A realidade de preços de veículos novos pode ser chocante, especialmente para aqueles que não estavam familiarizados com as tendências do mercado desde o início da pandemia. De acordo com dados recentes da Edmunds, o preço médio pago por um carro novo nos Estados Unidos em outubro foi de impressionantes $47.612. Isso representa um salto de quase $10.000 em comparação ao mesmo período em 2019, antes das turbulências trazidas pela pandemia. Essa escalada nos preços reflete um padrão onde os custos dos automóveis estão aumentando muito mais rapidamente do que a média dos preços de bens e serviços, levantando questões sobre o que realmente está acontecendo no setor automotivo.
Entre os fatores que contribuíram por trás dessa escalada nos preços, podemos identificar um enredado histórico de eventos. Inicialmente, a pandemia causou uma desorganização significativa nas cadeias de suprimento, resultando na escassez de peças essenciais para a produção de veículos. Os consumidores, por sua vez, tendem a buscar cada vez mais modelos de carros maiores e com mais recursos tecnológicos. Esta mudança nas preferências dos compradores é, na verdade, uma continuação de um movimento que já dura décadas, onde SUVs e caminhonetes, que frequentemente têm um custo mais elevado, tornaram-se os protagonistas na indústria automotiva. Para piorar, a decisão dos fabricantes de veículos de focar suas produções em automóveis mais caros resultou em uma situação em que, quanto maior o preço de venda, maior a margem de lucros possíveis para eles.
Ivan Drury, diretor de insights da Edmunds, observa que “é difícil encontrar algo abaixo de $30.000 entre os fabricantes americanos de automóveis”. Ele explica que muitas montadoras têm descontinuado modelos de entrada, e as versões básicas dos veículos não representam mais a proporção significativa de suas vendas. Como resultado, os preços mínimos estão subindo. Essa tendência reflete um entendimento claro do mercado: os consumidores desejam inovações e mais funcionalidades em seus veículos. E atividades como frenagem automática, controle de cruzeiro adaptativo e sistemas de alerta de pontos cegos são agora comuns em muitos modelos. Portanto, quando os clientes estão informados sobre as funcionalidades que podem ter, é difícil voltar atrás, como ainda afirma Charlie Chesbrough, economista da Cox Automotive: “As pessoas não sabiam que queriam essas funções até que as tiveram.” Assim, a resistência dos consumidores em relação a modelos abaixo de $35.000 está se tornando cada vez mais acentuada.
Ademais, a crescente popularidade dos veículos elétricos e dos híbridos, ambos conhecidos por seus custos mais altos em comparação aos veículos movidos a gasolina, também contribui para essa escalada no preço médio. E quando olhamos para as marcas que ainda oferecem opções mais acessíveis, geralmente são estrangeiras. Por exemplo, no último trimestre, o preço médio de um Nissan vendido nos Estados Unidos foi de $35.362, considerando até mesmo a venda de sua marca de luxo, a Infiniti.
Em meio a esse panorama, observa-se que a tradicional indústria automotiva dos EUA, composta por gigantes como General Motors, Ford e Stellantis, tem abandonado praticamente todo o mercado de sedãs para se concentrar quase exclusivamente na produção de SUVs e caminhonetes. Hoje, a Ford oferece apenas um modelo tradicional de “carro”, o Mustang, um cupê de duas portas. A exclusão de praticamente todas as opções que não são grandes veículos, como SUVs, já elevou os preços médios das vendas a valores impressionantes, sendo $50.922 para a GM, $54.963 para a Stellantis e $55.632 para a Ford. Apesar de os preços médios terem caído em relação ao ano passado, a expectativa é que novos aumentos sejam vistos brevemente.
Aumentos recentes nas taxas de juros têm ajudado a manter os preços sob controle nos últimos anos. Com o Federal Reserve elevando as taxas de juros a patamares vistos apenas nas últimas duas décadas, os consumidores se viram obrigados a pagar mais por suas parcelas de empréstimos para automóveis. Porém, o cenário pode mudar. À medida que as taxas começam a cair, há uma expectativa de que as famílias voltem a gastar mais em recursos e equipamentos nos automóveis, possivelmente levando os preços a subirem novamente em um futuro próximo.
Os dados atuais indicam que a média da taxa de um novo empréstimo de carro em outubro foi de 7%, superior aos níveis anteriores à pandemia. A introdução de empréstimos cada vez maiores para adquirir automóveis, resultou em um aumento da média mensal a ser pago, que já está em $742. Drury observa que embora as taxas altas tenham um impacto, o cenário que se desenha sugere que se o dinheiro se tornar mais acessível, o topo dos preços pode ser atingido gradualmente, com uma possível ascensão de veículos na faixa de $50.000 tornando-se a nova norma.
Além disso, a possibilidade de tarifas mais altas sobre importações, caso o atual governo avance com sua proposta de imposição de grandes taxas sobre produtos de outros países, principalmente no setor automotivo, traz uma nova camada de incertezas. Afinal, se essas tarifas forem implementadas, os preços podem saltar ainda mais, afetando estruturas de concorrência, especialmente contra marcas estrangeiras que, tradicionalmente, fornecem modelos mais acessíveis. A introdução de tarifas em peças de automóveis também poderia causar um impacto direto nos custos, visto que a maioria dos veículos fabricados nos EUA são montados com componentes de origem internacional.
A realidade do setor automotivo americano e as complexidades associadas às suas dinâmicas de preços não podem ser ignoradas. A interseção entre a vontade do consumidor, as decisões estratégicas das montadoras e as pressões econômicas mais amplas exige a atenção não só dos compradores, mas de todos que estão imersos no contexto econômico contemporâneo. Prepare-se: a nova realidade dos preços dos automóveis chegou, e ela é, sem dúvida, digna de nota.