Nos Estados Unidos, a insatisfação com os altos preços nos supermercados se tornou um tema central na agenda política atual. Com a vitória retumbante de Donald Trump nas eleições recentes, muitos americanos esperam que o presidente eleito possa proporcionar alívio em meio à crise de custo de vida que aflige o país. Entretanto, uma das promessas mais controversas de sua campanha pode trazer um efeito colateral inesperado e bastante indesejado: o aumento dos preços nos supermercados, particularmente no contexto das deportações em massa que Trump pretende implementar.
Durante a campanha, Trump se comprometeu a “reduzir os preços” dos produtos nas prateleiras dos supermercados e a melhorar a economia em geral. A frustração acumulada com o custo de vida elevado foi um dos fatores que impulsionaram sua vitória eleitoral na temporada atual. No entanto, a abordagem que ele propõe para sua promessa de transformar a acessibilidade econômica do país entra em conflito direto com outra meta altamente impactante de sua plataforma eleitoral: as deportações em massa de imigrantes indocumentados.
Trump prometeu não apenas acelerar a deportação de migrantes indocumentados, mas liderar o maior programa de deportação da história dos Estados Unidos, que pode envolver a expulsão de milhões de pessoas. Essa promessa, além de levantar questões morais, legais e logísticas, tem sérias implicações para a economia, particularmente no setor de alimentos e agricultura, que depende fortemente da mão de obra imigrante.
De acordo com executivos da agricultura e economistas consultados, a execução da política de deportações em massa poderá resultar em um aumento significativo nos preços dos alimentos. Chuck Conner, presidente do Conselho Nacional de Cooperativas Agrícolas, afirma que a redução da força de trabalho levará, inevitavelmente, a uma diminuição na produção agrícola, resultando em preços mais altos. A lógica é clara: Menos trabalhadores significam menos produção e, portanto, preços mais altos no mercado.
Impacto devastador na produção agrícola
Em um panorama onde, nos anos de 2018 a 2020, apenas 36% dos trabalhadores nas lavouras eram cidadãos norte-americanos e 23% eram imigrantes autorizados, conforme dados do Departamento de Agricultura dos EUA, a dependência da mão de obra indocumentada se torna evidente. Com milhares de trabalhadores no setor agrícola em risco de deportação, a capacidade de colheita de produtos como frutas e hortaliças pode ser severamente impactada.
Fred Leitz, proprietário de uma fazenda familiar em Michigan, destacou que a falta de trabalhadores resultaria em colheitas não realizadas, afetando a economia agrícola de forma devastadora. Ele ilustra o ponto ao dizer que “não se vai plantar nada que não se possa colher e vender”, sublinhando a premência da questão. Atualmente, estima-se que existem cerca de 11 milhões de imigrantes indocumentados residindo nos Estados Unidos, com quase 300 mil deles empregados diretamente na agricultura, evidenciando a crítica situação que a indústria enfrentaria com a implementação das promessas de deportação.
Surtos de preços devido à escassez de mão de obra
Além das colheitas, as áreas de processamento de alimentos e matadouros são igualmente afetadas. Aproximadamente 1,7 milhões de indocumentados estão envolvidos em toda a cadeia de suprimento alimentar, desde a produção de carne até o processamento de vegetais. A severidade da escassez de mão de obra resultante de deportações em massa pode causar uma escalada nos preços dos alimentos básicos. Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics, enfatiza que não há dúvidas de que a deportação em massa irá perturbar a indústria agrícola e de processamento de alimentos, resultando em escassez de mão de obra e, consequentemente, em custos mais elevados para o consumidor.
Vale ressaltar que a política de Trump não só poderia impulsionar o aumento dos preços, mas também poderia ser agravada por outras propostas da sua agenda, como tarifas massivas sobre mercadorias importadas. Os Estados Unidos importam uma grande variedade de alimentos de outros países, e uma tarifa de 20%, proposta por Trump, pode tornar esses produtos ainda mais caros, expondo os consumidores a aumentos de preços sem precedentes.
A incerteza acerca de como essas políticas serão implementadas permanece. Existe a possibilidade de que Trump ajuste suas promessas para evitar reavivar a inflação. Além disso, barreiras legais e problemas logísticos podem atrasar ou complicar a execução de suas promessas de deportação em massa.
Expectativas do consumidor em relação a alimentos
O consumo de alimentos que exigem trabalho manual, como frutas e vegetais, estará particularmente exposto a aumentos de preços. Produtos como maçãs, morangos, tomates e alface, que geralmente requerem colheita manual, poderão ter seus preços elevados. Além disso, itens que envolvem o manejo de animais, como produtos de carne e laticínios, também deverão sofrer aumentos. Em estados como Idaho, aproximadamente 90% do trabalho na indústria de laticínios é realizado por trabalhadores estrangeiros, evidenciando como a escassez de mão de obra pode afetar o mercado de varejo.
Por outro lado, defensores da deportação acreditam que a expulsão de imigrantes pode ajudar a solucionar a crise de acessibilidade ao reduzir a demanda por alimentos. Entretanto, especialistas como Zeke Hernandez, professor de economia da Wharton School da Universidade da Pensilvânia, rejeitam essa ideia, argumentando que a economia depende fundamentalmente da contribuição dos imigrantes.
A necessidade de uma força de trabalho imigrante
A discussão sobre a necessidade de uma força de trabalho imigrante na agricultura norte-americana é uma questão crítica. Com a baixa taxa de desemprego, trabalhadores nativos que estão disponíveis para realizar esses trabalhos são escassos. As posições no setor agrícola são percebidas como trabalhos difíceis e sazonalmente instáveis, e a maioria da população nativa não está disposta a preencher essas vagas.
Em conclusão, a abordagem de Trump e suas promessas de deportação em massa podem não tratar a crise de acessibilidade nos preços dos alimentos como pretendido, mas sim exacerbar essa questão. A interdependência entre a mão de obra indocumentada e a produção alimentar necessária para manter os preços acessíveis é evidente. A falta de trabalhadores pode levar a um aumento significativo nos custos para os consumidores, criando uma situação complicada que exigirá solução e compreensão para evitar uma crise de acessibilidade ainda maior nos próximos anos.