Na calada da noite, o jovem Sohrab, com apenas 19 anos, foi chamado por um guarda em sua cela no Pul-e-Charkhi, uma das maiores prisões de Cabul. Tomado pelo medo e pela incerteza, ele foi levado para uma sala isolada, destino comum para muitos prisioneiros LGBTQ+ no Afeganistão sob o regime Talibã. As palavras proferidas por um membro do Talibã eram claras: “deixe todos saírem”. Essa era uma frase que os prisioneiros temiam, pois normalmente precedia atos de violência horrenda que já havia experimentado anteriormente.
Os relatos de Sohrab sobre a tortura e o abuso sexual que enfrentou durante sua detenção ilustram a crescente repressão aos cidadãos LGBTQ+ no Afeganistão desde que o Talibã reassumiu o poder em agosto de 2021. “Ele me agarrou por trás, rasgou minhas roupas e me estuprou”, conta. O crime de Sohrab? Simplesmente amar outro homem, um fato que se tornou público após uma informação vazada por membros da comunidade que o cercava. “Durante vários dias depois disso, eu tive dor intensa e sangramento”, completa.
Os abusos enfrentados por Sohrab são parte de uma tendência alarmante de violência perpetrada contra indivíduos LGBTQ+ detidos no Afeganistão. Desde que o Talibã assumiu o controle, organizações de direitos humanos documentaram um aumento brusco em casos de violência sexual, tortura e outros tipos de abuso físico durante a detenção. De acordo com relatos, detentos LGBTQ+ têm sofrido desde estrangulamento e eletrocussão até açoites com correntes de metal.
A situação do jovem Sohrab não é única. Outras cinco pessoas LGBTQ+ relataram experiências similares, onde os membros do Talibã, em muitas ocasiões, não hesitaram em usar a violência sexual como uma ferramenta de repressão e controle. Infelizmente, o Talibã se recusa a aceitar tais alegações, chamando-as de “falsificações” e afirmando que são apenas desculpas para deslegitimar seu regime. “Atos como a sodomia são ilegais e os culpados são tratados dentro do quadro legal”, declarou um porta-voz do Ministério de Relações Exteriores do Talibã.
Desde a tomada do poder pelo Talibã, monitoramentos de direitos humanos têm documentado aproximadamente 825 casos de violência contra pessoas LGBTQ+ no país, o que representa uma quantidade significativamente subestimada, segundo organizações como Roshaniya, que ajuda a realocar afegãos LGBTQ+ perseguidos. O seu diretor aponta que o número real poderia ser muito mais alto, dado o medo e a estigmatização que os cidadãos LGBTQ+ enfrentam, além das dificuldades em reportar tais crimes em um clima de repressão.
A violência que os cidadãos LGBTQ+ enfrentam no Afeganistão não é uma questão isolada, mas um reflexo do clima hostil que se instalou no país desde que o Talibã reassumiu o controle. Neela Ghoshal, da Outright International, observou que a violência sexual, particularmente a chamada “estupro corretivo”, é usada em várias partes do mundo como uma forma de punir e controlar as pessoas. No contexto do Afeganistão, essa violência é instrumentada para reafirmar a opressão dos membros da comunidade LGBTQ+ e agravar sua marginalização na sociedade.
Após ser libertado, Sohrab vive com medo constante de ser novamente preso ou até mesmo executado, conforme o alerta que lhe foi feito pelo Talibã. Ele se lembra das palavras de um de seus agressores: “Meu corpo inteiro estava orando pela minha morte. Sempre que ele me estuprava, ele ameaçava que se eu contasse, ele me mataria com as próprias mãos.” Por mais que tenha conseguido escapar do Afeganistão, a vida em um país estrangeiro também apresenta seus desafios, já que muitos deles também criminalizam a homossexualidade.
Afeganistão: Uma prisão para os LGBTQ+
Fica claro que o cenário no Afeganistão é sombrio para todos os cidadãos, mas para os LGBTQ+ é uma busca diária pela sobrevivência. Segundo Ghoshal, embora seja difícil estimar quantas pessoas LGBTQ+ foram detidas, a percepção é de que o aumento da perseguição se tornou sistemático com o passar do tempo. Alguns relatórios indicam que os agentes do Talibã estão ativamente “caçando” essas pessoas, uma prática que reflete a crescente militarização e radicalização do regime.
No entanto, em meio à amargura e desespero, há um sinal de esperança. Organizações como a Roshaniya ajudam jovens como Sohrab a encontrar formas de escapar e a recomeçar suas vidas em países onde possam viver sem medo. Em uma época em que a opressão é implacável, o suporte da comunidade internacional e de grupos de direitos humanos que lutam por eles é crucial para sua sobrevivência e dignidade.
Uma luta conjunta por direitos e dignidade
Recentes diálogos do governo Talibã com a comunidade internacional também deixaram evidentes as preocupações sobre os direitos dos LGBTQ+. Organizações de direitos humanos e ativistas têm pressionado para que os direitos de todos sejam considerados nas conversas. Contudo, até o momento, a exclusão de vozes LGBTQ+ e femininas nessas discussões reflete uma perspectiva limitada sobre os direitos humanos no contexto da nação, o que leva a que tal situação continue a persistir.
Diante de uma realidade marcada por abusos e opressão, é fundamental que as vozes dos marginalizados, como os LGBTQ+, sejam ouvidas e consideradas. Eles não são apenas estatísticas em uma lista de vítimas, mas seres humanos com sonhos, esperanças e merecem um espaço seguro para serem quem realmente são. Enquanto o mundo observa, é imperativo que a comunidade internacional reforce seu compromisso em proteger a dignidade e os direitos humanos de todos os cidadãos, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.