À medida que a euforia das eleições diminui, A Noite Não É Eterna ganha nova ressonância. A nova produção de Nanfu Wang explora questões de regimes autoritários e fascismo, ao considerar como ambos se consolidam em uma nação. O documentário é especialmente relevante para o público americano que está lidando com as dificuldades de sua realidade política atual. A diretora realiza uma análise comparativa entre a China, sua nação natal, os Estados Unidos, onde reside atualmente, e Cuba, que é o lar de sua amiga e ativista pro-democracia Rosa Maria Payá. Essa abordagem afirma a ideia de que o poder popular é fundamental para a construção de uma consciência libertadora e para se opor a regimes autoritários recém-estabelecidos.
A proposta do documentário vai além de apenas apresentar eventos históricos; ele leva o público a uma análise crítica e reflexiva sobre o estado atual da política no mundo, especialmente em contextos onde a liberdade e os direitos estão sendo ameaçados. A narrativa é construída de forma a provocar um questionamento sobre as responsabilidades do cidadão em face das adversidades. Wang utiliza um extenso material de arquivo para traçar o retrato biográfico de Payá, a filha de Oswaldo Payá, que fundou um movimento pró-democracia em Cuba. O filme também retrata as dificuldades enfrentadas pela jovem Payá, incluindo a campanha de assédio do governo cubano contra seu pai, que é mostrado em vídeos e outros documentos.
A narrativa de A Noite Não É Eterna se inicia efetivamente em torno de 2017, quando uma ação de protesto motiva Payá a retornar a Havana proveniente de Miami. Nessa transição, Wang se posiciona como uma observadora. O filme então revela as conexões entre as realidades de Cuba e da China, evidenciando que tanto Wang quanto Payá enfrentam o desafio de ser identificadas como dissidentes em seus respectivos países. Há um sentimento de admiração por parte de Wang, que observa sua amiga batalhando pela liberação de presos políticos, fugindo da vigilância do policiamento estatal e tomando decisões difíceis sobre os limites do risco e da segurança.
A diretora é uma contadora de histórias eficaz, e A Noite Não É Eterna transita por seu tema com fluidez, apresentando uma introdução a Payá, uma história de Cuba e as comparações iniciais com a China. Com o uso de material de arquivo, o filme explora a história da resistência cubana, antagonismos ao imperialismo americano e a reputação evolutiva de Fidel Castro. Wang, ao se distanciar do assunto, torna-se uma interlocutora que dialoga com a narrativa e reflete sobre as complexidades do cubano contemporâneo, provocando questionamentos importantes sobre o papel de Payá no contexto político atual.
Após construir uma amizade íntima fortalecida por visões políticas compartilhadas, Wang enfrenta uma decepção ao ver Payá sentada ao lado de Donald Trump durante a eleição presidencial dos EUA em 2016. Esse momento gera em Wang um conflito interno que questiona as motivações e intenções de sua amiga, levando-a por um caminho intelectual e emocional complicado. Ao confrontar a realidade de que alguns emigrantes de países autoritários apoiam figuras como Trump, Wang busca entender as razões por trás dessas escolhas políticas e o impacto que elas têm na dinâmica de seu relacionamento.
Um aspecto particularmente instrutivo é quando Wang articula as diferenças entre estruturas econômicas e autoritarismo. Ela argumenta que o comunismo não gera regimes desiguais mais do que o capitalismo, o que representa um equívoco perigoso. Wang se pergunta: “Os americanos aprenderam algo com o medo do comunismo? Ou esse medo foi utilizado para exploração política?”. Essas reflexões se mostram igualmente relevantes em um contexto contemporâneo em que o descontentamento com a política prevalece. A crescente aura de fascismo nos Estados Unidos se torna o cenário onde Wang e Payá delineiam suas missões político-sociais, com suas atitudes divergentes trazendo tensões à amizade, um fio emocional que a realizadora aborda com sutileza admirável.
No entanto, apesar dos caminhos dolorosos que o projeto percorre, a proposta de Wang traz uma mensagem de esperança, evidenciada por registros de protestos recentes na China e em Cuba. A Noite Não É Eterna atesta a vontade do povo e serve como lembrete de que os governos devem servir aos cidadãos e não o contrário.