A Europa pode estar prestes a receber uma nova onda de cidadãos americanos abastados, conforme eleitores democratas preocupados com a possibilidade de outra presidência de Donald Trump consideram refúgio no exterior. O que antes era uma busca raramente aventurada por norte-americanos torna-se uma alternativa viável e, em alguns casos, necessária. A demanda por vistos de residência e cidadania por meio de investimento, muitas vezes chamados de “vistos de ouro”, disparou nos Estados Unidos desde a última eleição. Agora, mais do que nunca, esse fenômeno se conecta a uma política interna tumultuada.

O interesse em tais programas, que permitem a compra de cidadania ou residência em outros países por meio de investimentos substanciais em imóveis, títulos do governo ou startups, aumentou exponencialmente. Consultores especializados em migração de riqueza, como a Henley & Partners, relatam um aumento impressionante nas consultas feitas por cidadãos dos EUA. De acordo com a empresa, só na semana da eleição, as perguntas feitas por norte-americanos via seu site aumentaram em quase 400% em comparação com a semana anterior. Ao que parece, muitos americanos adotam essa ideia não necessariamente com a intenção de se mudar permanentemente, mas como uma medida de segurança, uma espécie de “plano B”. Dominic Volek, chefe de clientes privados na Henley & Partners, compartilhou que a maioria dos americanos visa apenas ter a opção de se mudar caso as condições em seu país se tornem insustentáveis. Já a Arton Capital, outra consultoria no segmento, reportou mais de 100 consultas apenas no dia seguinte à vitória decisiva de Trump, o que representa cinco vezes a média diária habitual.

O cenário revela que um percentual muito pequeno desse público efetivamente planeja uma mudança para um novo país. No entanto, todos eles almejam a segurança que vem com a opção de ter um segundo lar em outro lugar. Armand Arton, CEO da Arton Capital, afirmou que a demanda está prestes a se intensificar, prevendo um período de intensa atividade com o mercado estadunidense nos próximos meses.

o interesse crescente pelos vistos de ouro

Historicamente, os programas de cidadania e residência por meio de investimento têm atraído principalmente elites de mercados emergentes, incluindo países com alto nível de instabilidade política e econômica, como Nigéria, África do Sul, China, Índia e Filipinas. Contudo, antes da pandemia, os americanos não eram um público relevante para este tipo de solicitação. A realidade da Covid-19, que trouxe lockdowns e restrições de deslocamento, fez com que cidadãos americanos, mesmo possuindo propriedades na Europa ou conseguindo viajar de jato particular, enfrentassem dificuldades significativas para acessar o continente. O desejo por mobilidade global e a crescente divisão política nos Estados Unidos têm impulsionado um aumento substancial nas inscrições para esses programas. Desde 2020, cidadãos dos EUA tornaram-se a maior coorte de candidatos aos programas de migração por investimento da Henley & Partners, conforme relatado em um estudo recente. Este fenômeno não é apenas uma gordura nas margens, já que houve um aumento de 33% nas consultas relacionadas a vistos de ouro feitas por americanos comparado ao ano passado.

Os programas mais populares dentre os americanos incluem o Golden Residence Permit de Portugal, que exige um investimento mínimo de €250.000 (aproximadamente R$ 1,37 milhão) para apoiar as artes ou o patrimônio cultural nacional, além de oferecer um caminho para a cidadania da União Europeia após cinco anos. Comparado a países como Grécia, Espanha e Itália, onde o tempo necessário gira em torno de sete a dez anos, Portugal se destaca com suas condições mais favoráveis, tornando-se uma escolha muito desejada. Para os super-ricos — indivíduos com patrimônio líquido de US$ 50 milhões ou mais — Malta e Áustria emergem como destinos de preferência, sendo que esses países oferecem caminhos imediatos para a cidadania, mas com investimentos significativamente mais altos, como os €600.000 exigidos em Malta e um investimento mínimo que pode ultrapassar os €3,5 milhões na Áustria.

perspectivas para os americanos comuns

Entretanto, com os vistos de ouro fora do alcance da maioria dos cidadãos americanos, plataformas de mídia social estão fervilhando com discussões sobre outras formas de se mudar para o exterior. Um vídeo no YouTube, intitulado “países para americanos que desejam deixar os EUA”, postado recentemente por um casal que ajuda pessoas a se deslocar no exterior, acumulou mais de 500 mil visualizações e cerca de 4.000 comentários, muitos dos quais feitos por americanos que estão urgentemente explorando essas opções. Um tópico similar no Reddit, intitulado “Emigrando após os resultados das eleições dos EUA”, obteve 1.300 comentários em menos de duas semanas.

O desespero junto a alguns cidadãos é palpável, especialmente em comunidades que sentem ameaças diretas, como mulheres, pessoas negras, pais de crianças trans e indivíduos da comunidade LGBTQ+. Flannery Foster, uma americana vivendo na Espanha que auxilia outros cidadãos americanos em suas transições internacionais, compartilhou que está lidando atualmente com um aumento exponencial no número de consultas e que está trabalhando com cerca de 50 pessoas interessadas em viver fora dos Estados Unidos.

Entretanto, esses indivíduos geralmente não desejam abrir mão de sua cidadania americana. “Há uma sensação de que, se eu estou saindo, é porque preciso e quero garantir que meu voto ainda conte”, comentou Foster. Esta dinâmica coloca sob a luz a complexidade emocional de deixar um país familiar em tempos de angústia política, enquanto a busca por novos horizontes continua a se intensificar.

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