A iminente reeleição de Donald Trump traz à tona a perspectiva de uma nova guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, evocando memórias da conturbada relação comercial entre as duas potências que começou em 2018. Quando Trump iniciou sua jornada de tarifas contra a China, a economia chinesa vivia um de seus melhores momentos, com especulações sobre a possibilidade de superar os Estados Unidos como a maior economia do mundo. No entanto, a situação atual desenha um cenário consideravelmente diferente, onde a China enfrenta desafios significativos, como crises imobiliárias, endividamento crescente e deflação. Apesar disso, a liderança chinesa se mostra supreendentemente confiante e preparada para os eventuais embates comerciais que podem surgir com a reeleição de Trump.
Com o retorno do ex-presidente, que prometeu aumentar as tarifas sobre os produtos chineses em até 60%, a China está ajustando suas estratégias comerciais com base nas lições aprendidas durante a primeira guerra comercial. Economistas e analistas destacam que a China está adotando uma abordagem multifacetada, que inclui a diversificação de suas relações comerciais e respostas direcionadas às empresas dos EUA que operam em seu território. O que muitos consideram uma resposta calculada e, ao mesmo tempo, um tanto sutil, usa táticas que podem minar a posição das empresas americanas sem recorrer a medidas drásticas que poderiam prejudicar mais a economia interna da China.
De acordo com o autor e especialista no assunto, Dexter Roberts, a China “tem se preparando para este dia há algum tempo”, ressaltando que a importância dos EUA no comércio chinês diminuiu consideravelmente. Em um movimento por conta dos efeitos da primeira guerra comercial, tanto o governo chinês quanto as empresas já começaram a reduzir sua dependência em relação aos Estados Unidos, o que se reflete em dados de comércio e estatísticas que mostram uma diminuição acentuada nas exportações. Em 2023, as exportações da China para os EUA despencaram 20%, somando apenas 427 bilhões de dólares, fazendo com que o México superasse a China como o maior exportador de bens para os Estados Unidos.
Os dados também revelam que, à medida que a porcentagem de exportações da China para o grupo das sete economias mais ricas (G7) caiu de 48% em 2000 para menos de 30% atualmente, a participação da China no comércio global aumentou para 14%, uma elevação em relação a 13% antes da implementação das tarifas de Trump. Esse crescimento indica que, apesar de vender menos para os EUA, a China está aprimorando sua posição no mercado global.
Durante uma coletiva de imprensa, o vice-ministro do Comércio, Wang Shouwen, enfatizou a resiliência da China diante de choques externos, afirmando que o país possui a habilidade necessária para lidar com as consequências de tarifas potenciais. Contudo, economistas afirmam que é improvável que a China utilize estratégias como a venda de títulos do Tesouro dos EUA ou uma grande desvalorização da moeda yuan como retaliativas, uma vez que tais medidas poderiam, de fato, ferir os próprios interesses da China. Tais alternativas são vistas como arriscadas e potencialmente fragmentadoras para a já vulnerável economia interna.
Retaliações direcionadas e estratégias comerciais
Espera-se que, caso as tarifas sejam implementadas, a resposta chinesa não seja uma simples retaliação, mas sim algo mais estratégico e assimétrico. As autoridades poderiam optar por atacar empresas americanas específicas, aumentando a pressão sobre aquelas que operam na China, como o caso da investigação da empresa PVH Corp por sua recusa em adquirir algodão da região de Xinjiang, onde há alegações de graves violações de direitos humanos. Além disso, também planificam ações que prejudicariam indústrias agrícolas americanas, uma medida muito mais plausível do que liquidar suas enormes quantidades de títulos do Tesouro dos EUA.
Os maiores riscos para o ambiente comercial de empresas americanas passam a vir de um jogo de gato e rato, onde a China já começou a adotar medidas enérgicas contra firmas como Bain & Company e Capvision, levando ao alarmante sentimento entre os investidores e o empresariado americano. Esse cenário tenso sugere que as repercussões das tarifas podem ir além da economia, adentrando em uma nova fase nas interações comerciais e diplomáticas, como um verdadeiro divisor de águas onipresente nos momentos críticos.
Ainda assim, a China é um gigante econômico com um mercado consumidor interno significativo e diversificado, que pode servir como uma tábua de salvação contra um possível colapso das exportações devido a tarifas. Conforme observou Andy Rothman, estrategista da China, a melhor reação de Pequim pode ser restaurar a confiança entre seus próprios empresários e consumidores, ambos cruciais para o crescimento econômico e inovação. Após mostrar um crescimento modesto de 4.6% no terceiro trimestre de 2024, a necessidade de estimular a economia se torna cada vez mais evidente, gerando expectativa para ações que devem ser tomadas assim que as tarifas se tornem realidade.
Finalmente, enquanto a reeleição de Trump se aproxima e sua intenção de aumentar tarifas sobre bens importados se concretiza, o foco se volta para como a China e sua liderança responderão ao desafio. As lições do passado talvez tenham preparado o terreno para um jogo complexo, onde o equilíbrio entre retaliação e adaptação determinará o futuro das relações comerciais entre duas potências globais.