A exploração de Marte e a possibilidade de colonização deste planeta vêm ganhando cada vez mais espaço nas discussões sobre o futuro da humanidade, especialmente em um contexto onde as crises climáticas tornam a Terra um lugar cada vez mais desafiador para se viver. O bilionário Elon Musk, conhecido por sua visão arrojada e investimentos em tecnologia espacial, faz promessas grandiosas de estabelecer uma presença humana no Planeta Vermelho dentro dos próximos 30 anos. Essa ideia, que pode parecer fascinante ou mesmo uma fuga para um novo começo, é meticulosamente examinada no novo livro “A City on Mars”, escrito pelo casal Kelly e Zach Weinersmith, que acaba de ganhar o Prêmio de Livro de Ciência Trivedi da Royal Society de 2024. A obra, publicada em novembro de 2023, apresenta um olhar crítico e fundamentado sobre os reais desafios da colonização de Marte.
Enquanto Musk sugere que iniciar uma nova vida em Marte pode ser a tal solução alternativa para os problemas que enfrentamos na Terra, os autores de “A City on Mars” levantam uma série de questões que desafiam essa visão otimista. Kelly, bióloga e professora assistente na Universidade Rice, ao lado de Zach, um cartunista, convida os leitores a refletirem sobre as várias dificuldades que seriam enfrentadas em um ambiente tão inóspito. Desde a construção de fazendas espaciais para garantir a alimentação da população até o processo de nascimento e criação de crianças em um ambiente radicalmente diferente, as questões são muitas e complexas.
No início da pesquisa, a dupla estava animada com a possibilidade de habitar o entorno marciano, mas, à medida que se aprofundaram nos estudos, a análise se transformou em um ceticismo fundamentado. Eles afirmam que deixar uma Terra aquecida em 2 graus Celsius em direção a um Marte hostil seria comparável a trocar um cômodo bagunçado por um lixão tóxico. Na construção de um argumento fundamentado, os autores expõem que a realidade da vida em Marte não se traduz apenas em uma simples adaptação à sua atmosfera rarefeita. Essa transição exigiria uma compreensão mais profunda das condições prejudiciais e letais que caracterizam o planeta, como a alta radiação e a gravidade reduzida, que podem ter efeitos prejudiciais em humanos considerando a ausência de uma atmosfera protetora.
Além das condições ambientais adversas, os autores alertam sobre a falta de pesquisa substancial a respeito do processo de reprodução e dos impactos que essa nova realidade teria na saúde dos recém-nascidos. Com uma gravidade equivalente a apenas 38% da gravidade da Terra e uma atmosfera que não proporciona proteção contra a radiação espacial, a sobrevivência de gestantes e bebês se apresenta como uma questão altamente preocupante. A autora Kelly explica que, até o momento, não temos dados suficientes sobre como o corpo humano se comporta em um contexto gravitacional diferente, e essa falta de conhecimento se aplica de maneira ainda mais intensa ao desenvolvimento de uma nova geração de humanos em Marte.
Os dados disponíveis revelam que os astronautas enfrentam perda de massa óssea e muscular em gravidade zero, e a exposição à radiação apresenta riscos desconhecidos quando se considera a perpetuação da espécie em Marte. Zach também menciona que a possibilidade de anomalias genéticas poderia ser maior do que o normal, criando desafios que, na prática, complicariam ainda mais a ideia de uma colonização bem-sucedida. Eles enfatizam que o primeiro passo deve ser uma pesquisa abrangente, incluindo a realização de testes em futuras estações de pesquisa na Lua, para avaliar como organismos de diferentes espécies se adaptariam às condições extremas de Marte.
A vida em Marte não é simplesmente uma questão de transporte e colonização; é uma questão de sobrevivência em um contexto que nos é hostil à nossa evolução como seres humanos. Assim, enquanto Musk e outros visionários apresentam visões otimistas sobre a possibilidade de colonizar Marte, a literatura científica e as investigações rigorosas sugerem que essa jornada será mais longa e complexa do que qualquer um pode imaginar, exigindo planejamento e pesquisa bem fundamentada para garantir a continuidade da vida no Planeta Vermelho.
Por fim, a perspectiva apresentada por Kelly e Zach Weinersmith destaca a necessidade urgente de abordar as realidades desafiadoras da colonização marciana. Eles concluem que avançar para um futuro em que a vida em Marte seja viável não pode ser feito às pressas, mas sim planejado cuidadosamente, levando a sério os desafios biológicos, nutricionais e físicos que os colonizadores enfrentariam. Assim, o sonho de Marte não deve ser apenas uma fuga, mas uma possibilidade que requer ponderação, compreensão e ações fundamentadas sobre o que realmente implica habitar um novo mundo.