A cúpula do clima da ONU deste ano, realizada em Baku, Azerbaijão, começou em meio a elogios exuberantes às energias fósseis, sendo saudada pelo presidente do país, Ilham Aliyev, como um “presente de Deus”. Contudo, seu fechamento foi marcado por um acordo de financiamento climático que deixou os países em desenvolvimento sentindo-se ofendidos, taxando-o de “insulto, piada e traição”. O clima da conferência, que deveria ser um espaço de colaboração global, transpareceu uma profunda frustração e desconfiança, levantando questões sobre a eficácia e o futuro das negociações climáticas em uma era de crescente polarização.
O foco central da Conferência das Partes (COP29) foi o quanto os países ricos, historicamente os maiores responsáveis pela crise climática, deveriam contribuir para apoiar as nações em desenvolvimento, que enfrentam as piores consequências da mudança climática. O valor discutido foi de 300 bilhões de dólares por ano até 2035; uma quantia que muitos consideraram profundamente insuficiente, não alcançando os 1,3 trilhões de dólares que economistas estimam serem necessários para lidar com essa crise. Enquanto países desenvolvidos afirmaram que era o máximo que podiam oferecer, as nações mais pobres ficaram consternadas, classificando a proposta como “abismal”.
A frustração culminou em um desfecho caótico e criticado ao final da cúpula, levando especialistas a questionar a ambição e a validade do todo o processo COP. Harjeet Singh, da Fossil Fuel Treaty Initiative, expressou preocupações profundas sobre a integridade das negociações climáticas, enfatizando que os resultados desastrosos da COP29 levantaram sérias dúvidas sobre o futuro da diplomacia climática global. Em meio a um cenário geopolítico tumultuado, que incluiu a eleição de um negador das mudanças climáticas nos Estados Unidos, Baku poderá ser lembrada como o início do fim da ação climática multilateral.
Interesses fósseis em destaque durante a cúpula da ONU
Embora as cúpulas climáticas da ONU sempre tenham sido desafiadoras, com altos e baixos, elas registraram sucessos significativos ao longo dos anos, como o histórico Acordo de Paris de 2015. Contudo, quase uma década depois, o mundo se prepara para um ano que pode se tornar o mais quente já registrado, com níveis de poluição provenientes de combustíveis fósseis projetados para atingir máximas históricas.
Payam Akhavan, advogado da Comissão dos Pequenos Estados Insulares sobre Mudanças Climáticas e Direito Internacional, expressou a preocupação de que “estamos caminhando para um futuro distópico”. Ele salientou que o fracasso do processo COP se dá pela dependência da boa fé dos grandes poluidores, que em vez de tomarem medidas em prol da sobrevivência coletiva, têm literalmente adicionado combustível às chamas da crise climática.
Desde o início, a COP29 tinha todos os ingredientes para um fracasso. A Rússia garantiu que o encontro ocorresse em uma nação dependente de combustíveis fósseis, usando seu veto na ONU para impedir qualquer país da União Europeia de sediar a conferência. Assim, coube ao Azerbaijão, uma nação petroestatal com pouca experiência em conduzir discussões climáticas de alto nível, a tarefa de mediar as negociações, especialmente sobre questões financeiras, que se mostraram particularmente desafiadoras.
A conferência foi marcada por um panorama caótico, que envolveu a ausência de muitos líderes dos países mais ricos e a retirada dos negociadores argentinos em meio a tensões crescentes. Além disso, o número de representantes e lobistas da indústria de combustíveis fósseis superou em muito a delegação de muitos países, com mais de 1.700 registrados. Este cenário levou a críticas severas, com grupos climáticos comparando o acordo final a um “band-aid coberto de sangue” sobre uma ferida à bala, e reações furiosas por parte das nações em desenvolvimento.
A Least Developed Countries Group on Climate Change não hesitou em condenar o resultado, afirmando que a “desconsideração direta” das necessidades dos países em desenvolvimento erode a confiança que sustenta essas negociações e zombam do espírito de solidariedade global.
A COP 30 e as esperanças para o futuro
Ainda que a COP29 tenha apresentado falhas gritantes, muitos defensores e cientistas climáticos concordam que o processo da ONU continua sendo o melhor mecanismo disponível para a ação climática global. Margaretha Wewerinke-Singh, advogada internacional representando Vanuatu, ressaltou que “é o único fórum onde quase todos os países têm um assento à mesa”. O desafio imediato, segundo ela, é recuperar o impulso e restaurar a integridade do processo, especialmente com a próxima cúpula, a COP30, se aproximando. Ela será realizada no Brasil no próximo ano e é considerada a conferência climática mais importante desde Paris, onde os países definirão suas estratégias climáticas para a próxima década.
Embora a ambição possa parecer uma batalha íngreme, péssimas experiências, como a de Baku, podem galvanizar a comunidade internacional em torno de novas soluções e compromissos. O discurso predominante é que, mesmo diante de retrocessos em um contexto global movimentado por políticos populistas e petrolíferos, a volta a um ‘COP 2.0’ maior e melhor é uma necessidade urgente e inevitável. A cientista climática Friederike Otto expressou um sentimento semelhante, sugerindo que clamar por um processo quebrado apenas contribui para a inércia e atraso, sublinhando a importância de salvar as instituições existentes, pois descartar essas estruturas é deixar que líderes como Trump e Putin triunfem.
Em meio a um cenário de desilusão e frustrações, as expectativas para o futuro permanecem críveis, pois se torna cada vez mais evidente que a luta contra a mudança climática é uma batalha coletiva. E assim, com o olhar voltado para novos começos na COP30, resta aos líderes mundiais demonstrar que ainda há espaço para um diálogo construtivo e para ações significativas em defesa do planeta.