A recente aparição do presidente Joe Biden em um evento de arrecadação de fundos em Filadélfia trouxe à tona as complexidades que envolvem a campanha para as próximas eleições, especialmente no que diz respeito ao papel da vice-presidente Kamala Harris. Em sua fala, Biden reconheceu que Harris não seguirá automaticamente os passos de sua administração, o que reflete um dos principais desafios enfrentados por ela à medida que se aproxima o momento da eleição: como se destacar de seu legado político. O evento, que representa uma das raras aparições públicas de Biden na atual campanha, ocorreu em um jantar do Partido Democrata no qual o presidente afirmou que a lealdade demonstrada por Harris até o momento não impede que ela encontre seu próprio caminho daqui para frente. “Todo presidente precisa trilhar seu próprio caminho. Foi assim que fiz. Fui leal a Barack Obama, mas segui meu próprio caminho como presidente. Isso é o que Kamala fará”, declarou Biden. Esses comentários evidenciam a necessidade de um delicado equilíbrio entre Biden e Harris, à medida que ela busca se diferenciar do presidente atual.
Desde que Biden anunciou que estaria “na estrada” a partir do Dia do Trabalhador, o cronograma de campanha do presidente este ano foi notavelmente escasso. Esse fato deve-se, em parte, a uma série de crises domésticas e estrangeiras urgentes que demandaram sua atenção, além da percepção de que sua presença à frente da campanha poderia relembrar os eleitores sobre a era que Harris procura deixar para trás. O evento de arrecadação em que Biden se fez presente foi um dos poucos compromissos políticos que o presidente assumiu desde que Harris garantiu a nomeação do Partido Democrata. Durante o jantar, Biden reiterou sua crença de que Kamala Harris será uma grande presidente no futuro, mencionando que ele compreende os desafios únicos que seus dois cargos exigem.
À medida que a eleição se aproxima e faltam menos de três semanas para o dia decisivo, a equipe de campanha e a Casa Branca ainda não divulgaram detalhes de como será o cronograma eleitoral de Biden até o dia 5 de novembro. Um planejamento em consideração, segundo fontes próximas à campanha, seria uma turnê pela Pensilvânia junto ao governador do estado, Josh Shapiro, que Biden já havia antecipado durante uma entrevista algumas semanas atrás. A equipe de Harris acredita que, apesar de sua impopularidade, a presença de Biden entre os eleitores brancos da classe trabalhadora e entre os americanos mais velhos ainda pode exercer influência, ajudando a mobilizar essas bases nos momentos finais da corrida eleitoral. Contudo, a forma e o momento de trazer o ainda impopular incumbente para apoiar sua vice permanecem um desafio, visto que a equipe de Harris tenta assumir a bandeira da mudança.
Enquanto Harris mobiliza figuras de destaque do Partido Democrata, como Barack Obama e Bill Clinton, que aparecerão em eventos de campanha em apoio a ela, Biden tem se mantido distante. Muitos dos compromissos de Biden foram empurrados para longe da política, devido às responsabilidades da presidência, incluindo reuniões nas Nações Unidas, o gerenciamento das consequências de dois furacões e um conflito crescente no Oriente Médio. Uma visita planejada à sua cidade natal, Scranton, na Pensilvânia, foi cancelada mês passado em razão da devastação causada pelo furacão Helene. Na esteira dessas crises, o presidente tem recebido atualizações televisionadas e fez uma aparição inesperada na sala de briefing da Casa Branca, o que não caiu bem entre a equipe de Harris, que naquele momento estava em um evento de campanha em Michigan.
Enquanto algumas queixas sobre a falta de coordenação surgem, muitos assessores de Harris percebem uma vantagem em Biden estar focado em suas obrigações como presidente. “Há um valor inerente em ele ser presidente e estar presente em lugares afetados por desastres, como na Geórgia e na Carolina do Norte”, destacou uma fonte próxima à campanha. Assim como seus antecessores na presidência, Biden se vê diante do desafio de equilibrar a necessidade de apoiar uma sucessora em potencial enquanto cumpre suas responsabilidades de governo. A peculiaridade da situação de Biden reside no fato de que ele inicialmente planejou se candidatar novamente, mas decidiu retirar seu nome da corrida, o que levou a uma rápida reestruturação das prioridades presidenciais, como a inclusão de eventos que promovem sua administração, enquanto Harris assumia a nomeação do Partido Democrata.
Apesar da escassez de eventos conjuntos entre Biden e Harris, já que desde que a vice-presidente se tornou a nomeada ambos participaram juntos apenas de um evento, na manifestação de trabalhadores em Pittsburgh, a decisão sobre a realização de eventos em conjunto na reta final da campanha ainda está sendo discutida. Após quase cinco décadas na política, Biden tem plena consciência das decisões delicadas que regem a temporada eleitoral. Ele tem enfatizado, muitas vezes em tom de brincadeira, que está disposto a fazer campanha a favor ou contra candidatos, dependendo do que for mais útil. Neste contexto, Harris tem buscado deixar claro que, apesar de sua lealdade a Biden, busca também se diferenciar. Recentemente, em paradas de campanha, ela começou a retratar Donald Trump como “fraco e instável”, ressaltando a recusa de sua campanha em divulgar registros médicos, o que, segundo ela, indica que ele esconde alguma questão de saúde.
As realidades políticas pesam sobre Biden e Harris, conforme demonstrado pelas intricadas dinâmicas no campo eleitoral. Harris, que enfrenta a tarefa de parecer uma candidata em mudança em contraste com seus concorrentes mais velhos, mantém a lealdade a Biden, tanto publicamente quanto em sua crescente carga de trabalho. Ela participa de briefings oficiais com ele e tem se mostrado presente em eventos relacionados a temas como saúde e violência armada nos Estados Unidos. Contudo, ao tentar se diferenciar, ela se deparou com dificuldades em responder como conduziria a presidência de maneira distinta, e sua tentativa de mencionar um membro do Partido Republicano em seu futuro gabinete foi rapidamente utilizada por opositores.
Entidades e lideranças do partido reforçam que Biden deve abraçar seu legado enquanto se afasta da política, e, ao mesmo tempo, reconhecem que Harris precisa aproveitar as oportunidades para ressaltar que ela é uma pessoa distinta. Um exemplo disso veio do governador do Colorado, que, em uma entrevista, expressou entusiasmo por Harris como uma candidata que fala sobre um futuro novo e diversificado, enquanto também reconheceu que há aspectos da administração de Biden com o qual ele concorda e outros que não. Assim, na complexa tapeçaria da corrida eleitoral, Biden e Harris permanecem entrelaçados em suas trajetórias, navegando pelos desafios e oportunidades que surgem à medida que a votação se aproxima.