Recentemente, a ServiceTitan, uma empresa de tecnologia focada em serviços, protocolou documentos para seu processo de IPO, com a expectativa de que sua estreia ocorra até o final de 2024. Essa situação suscitou intrigantes interrogações no universo financeiro: estaríamos diante de uma mudança no estagnado mercado de ofertas públicas iniciais (IPOs)? No entanto, a realidade pode ser mais complexa e desafiadora do que parece. De fato, a trajetória de ServiceTitan pode ser um sinal de alerta para uma série de empresas que enfrentam a pressão de abrir seu capital em condições adversas.
A ServiceTitan corre o risco de ser um prenúncio de um fenômeno particular: a pressão sobre empresas em estágios avançados para a abertura de capital em resposta a um cenário de financiamento que desmoronou em 2022, quando as avaliações das empresas chegaram a novos patamares. O investidor de capital de risco Alex Clayton, atuante na Meritech Capital, destaca que, “sem dúvida, veremos muito mais disso à medida que as empresas da era de ZIRP começarem a abrir seu capital”. Isso se refere a empresas que captaram grandes somas durante o período de juros zerados, que se encerrou em 2021. Em uma análise, que rapidamente se tornou viral nas redes sociais, ele e seus colegas de Meritech salientaram um termo nada convencional que foi revelado nos documentos da ServiceTitan.
A situação se complica ainda mais ao analisar os termos acordados pela empresa em sua rodada de financiamento da Série H, realizada em novembro de 2022. Nesse contexto, um ponto crucial chamou atenção: a empresa aceitou um “estrutural de ratchet IPO” que se compõe de um mecanismo de compensação para os investidores caso a venda das ações aconteça a um preço inferior ao que eles pagaram. Esse mecanismo básico indica que, caso a empresa se torne pública a um preço inferior ao que os investidores pagaram, eles receberão ações adicionais como compensação. Porém, no caso da ServiceTitan, esse entendimento é ainda mais complexo. Os investidores da Série H garantiram uma “compounding IPO ratchet structure”, que agrega a cada trimestre de adiamento, após um prazo estipulado, uma diluição ainda maior aos acionistas.
De acordo com as informações analisadas, a ServiceTitan precisaria alcançar um preço superior a 90 dólares por ação para evitar a entrega de mais ações aos investidores da Série H, cujo preço de sua última rodada foi de 84,57 dólares. No entanto, analistas da Meritech indicam que a saúde financeira atual da empresa justificaria uma avaliação mais próxima de 72 dólares por ação, com base em suas receitas e taxa de crescimento, que estão em linha com o desempenho de outras empresas de software. A cada adiamento, o desafio se torna cada vez mais substancial, uma vez que a empresa se vê pressionada a aumentar ainda mais o preço de oferta para evitar problemas com seus investidores, o que pode, por sua vez, diluir ainda mais as participações dos demais acionistas.
Bill Gurley, um respeitado investidor de capital de risco, mencionou em suas observações na plataforma X que a estrutura “compounding ratchet” é preocupante e reflete a complexidade dos “termos sujos” que muitas vezes permeiam essas negociações. Para ele, o que a ServiceTitan concordou pode ser interpretado como um alerta para outros fundadores que devem evitar se envolver em termos de investimento que incluem tais condições. Porém, a perspectiva de Clayton diverge, e ele acredita que, embora a terminologia “termos sujos” seja comum, representa um acordo que foi compreendido e aceito por ambas as partes envolvidas. Fundadores aceitam tais condições em busca de uma maior avaliação ou para evitar um corte de avaliação que poderia comprometer o moral da equipe e impactar futuros investimentos.
A situação delineia um panorama em que os fundadores devem ponderar sabiamente suas decisões. Gurley sugere que, em vez de jogar com os termos de avaliação, pode ser mais prudente aceitar um corte de avaliação que reflita a real condição da empresa. O dilema atual da ServiceTitan pode, em última análise, ser um reflexo da necessidade da empresa por capital imediato, somando o desgaste de uma estrutura de capital que nunca conciliou seus objetivos com as exigências do mercado volátil. Portanto, a abertura de capital pode não sinalizar uma luz verde para o mercado, mas sim uma necessidade forçada, resultando numa preocupação crescente sobre as repercussões futuras que essa empresa irá enfrentar em seus resultados financeiros trimestrais.
Enquanto as apostas em torno da ServiceTitan se desenrolam, os investidores continuam a observar cautelosamente. Em meio a um cenário de incertezas, a trajetória da ServiceTitan poderá ser uma demonstração clara das batalhas que enfrentam muitas startups que, em busca de acessar o mercado de capitais, se deparam com realidades desconfortáveis e acordos que desafiam a lógica convencional.