A proposta apresentada por Keith Kellogg, o novo enviado especial para a Ucrânia e a Rússia nomeado pelo presidente eleito Donald Trump, sugere uma metodologia interessante, mas suscita um mar de dúvidas e complexidades. Em sua declaração, Trump prometeu que juntos iriam “garantir a paz através da força”, e, como podemos ver, a abordagem proposta por Kellogg pode desafiar tanto a Rússia quanto os interesses da Ucrânia, caso sua implementação não considere os desdobramentos realistas do atual cenário geopolítico.

Keith Kellogg, que já foi conselheiro de segurança nacional de Trump e possui uma larga trajetória na política de segurança dos Estados Unidos, delineou seu plano de paz em um documento publicado pelo America First Policy Institute. Segundo os escritos de Kellogg, o conflito na Ucrânia é descrito como uma “crise evitável”, resultado das políticas consideradas incompetentes da administração Biden. É alarmante ver como um planejamento estratégico pode ser simplificado a tal ponto, especialmente em um conflito de tal magnitude, que envolve a integridade territorial de um país parceiro e a segurança de toda uma região.

Neste plano, um dos primeiros pontos é a declaração de um cessar-fogo, que criaria uma linha de frente imobilizada e forçaria ambas as partes a dialogar. Entretanto, é nos detalhes que a complexidade se revela. A proposta de Kellogg critica duramente a resposta tardia e inadequada dos Estados Unidos sob a administração Biden, que, segundo ele, enviou armas para a Ucrânia de forma insuficiente e apenas após a invasão russa, enquanto afirma que o fornecimento de armamentos por Trump em 2018 havia estabelecido uma postura de firmeza em relação a Vladimir Putin.

A Modificação do Envolvimento dos EUA no Conflito

Kellogg defende que a participação dos Estados Unidos em conflitos internacionais deveria ser reavaliada, argumentando que o presente apoio militar à Ucrânia compromete os recursos do país, expondo-o a futuros conflitos, particularmente em um possível embate com a China sobre Taiwan. Uma das ideias centrais desta proposta é que a adesão da Ucrânia à OTAN deve ser adiada indefinidamente e que, em troca, os Estados Unidos deveriam buscar um “acordo de paz abrangente e verificável”. Assim, o foco se desloca de uma possível ampliação da NATO para a consolidação de um compromisso diplomático.

A proposta menciona que a política dos EUA deve ser a de buscar um cessar-fogo e um acordo negociado, mas a essencialidade de um compromisso concreto por ambas as nações neste processo é colocada em dúvida. Continuando, o plano também sugere que o futuro auxílio dos EUA à Ucrânia será condicional às negociações com a Rússia, algo que pode ser visto como uma capitulação em várias frentes. Enquanto isso, a Ucrânia não deveria abrir mão de reivindicações territoriais, apenas deveria buscá-las por meio da diplomacia, o que é uma conjectura audaciosa considerando a trajetória agressiva da Rússia.

Soldado da Brigada Mecanizada Ucraniana

Um soldado da Brigada Mecanizada Ucraniana dispara um obus autopropelido “Hyacinth-s” em direção às tropas russas na linha de frente.

Um Congelamento das Linhas de Frente

A proposta de Kellogg exige um congelamento do conflito, com uma zona desmilitarizada a ser imposta. Para a Rússia, a recompensa por concordar com essa condição seria uma redução limitada das sanções, com a promessa de um levantamento total somente após a assinatura de um acordo de paz que atenda aos interesses da Ucrânia. Mais audacioso ainda é o fato de que a receita gerada de uma nova taxa sobre as exportações energéticas russas seria destinada à reconstrução da Ucrânia. A ideia de aceitar o compromisso diplomático como única estratégia pode ser vista como uma fraqueza considerável, especialmente quando confrontada com a incerteza dos movimentos de Putin, que se mostrou hábil em explorar vulnerabilidades políticas.

O plano de Kellogg é de uma simplicidade atrativa, mas ignora a realidade brutal que poderá emergir, com a Rússia agindo de maneira a maximizar sua vantagem territorial. Caso a Rússia decida ignorar o cessar-fogo – como já demonstrou em ocasiões passadas – e empreenda novos avanços militares, cada vez mais as exigências de um acordo de paz genuíno se tornarão inviáveis. O impacto desse poderio militar russo poderá ser um fator determinante na precariedade da segurança na região.

Resgate em Kiev

Socorristas ucranianos apagando um incêndio em um edifício residencial após um ataque de mísseis em Kyiv em fevereiro de 2024.

Uma Mudança nos Valores Norte-Americanos

Kellogg expressa uma visão de segurança nacional centrada em utilidades práticas, contrastando com a abordagem da administração Biden que, segundo ele, se baseia em valores ocidentais e democracia. Essa mudança de valores pode justificar a proposta de um acordo que ignora o bem maior da defesa de um Estado soberano contra a agressão. Nesse contexto, a proposta de Kellogg apresenta uma saída que, embora possa ser atraente em um primeiro momento, apresenta riscos elevados para um futuro onde Putin poderia aproveitar qualquer vacilo do Ocidente para expandir suas ambições.

Enquanto a Ucrânia, sem dúvida, busca uma resolução para seu conflito armado, o plano de Kellogg parece oferecer uma saída, embora suas implicações possam longe de garantir a paz duradoura. As preocupações da comunidade internacional sobre a vitalidade do envolvimento dos EUA no cenário de segurança global podem muito bem se agravar, à medida que os efeitos colaterais de tais acordos começarem a desencadear uma nova fase de inquietude geopolítica e diminuição da coesão ocidental. O acordo que deveria solucionar a crise pode, em vez disso, começar a desmantelar a unidade ocidental e, lentamente, permitir que Putin avance em suas pretensões, deixando a Ucrânia em uma situação ainda mais precária e vulnerável.

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