A história da ciência e da arte muitas vezes se entrelaça de maneiras inesperadas, revelando legados que transmitem mensagens profundas além do que se pode ver à primeira vista. Recentemente, a arquiteta e artista Amanda Williams empreendeu uma jornada de redescoberta ao ressuscitar as fascinantes contribuições de George Washington Carver, um destacado cientista e inventor do século XX. Seu foco? Uma fórmula patenteada para a produção de um vibrante pigmento azul a partir do barro do Alabama. Esta iniciativa não apenas ilumina as inovações esquecidas de Carver, mas também traz à tona questões de race e cultura de uma forma emblemática e colorida. Vamos explorar como essa artista contemporânea está dando nova vida a um legado há muito negligenciado.

George Washington Carver, um dos mais influentes cientistas afro-americanos, registrou dois patentes no começo do século passado ligadas ao seu método inovador de fabricação de tintas a partir do solo rico em ferro de Alabama. Ele descobriu que a argila da região podia reagir quimicamente com um composto de potássio e ácido nítrico, gerando um pigmento azul vibrante, conhecido como Azul Prussiano. Este tom específico não era estranho à história da arte; já tinha sido utilizado por ícones como Pablo Picasso durante seu “período azul” e no monumental “A Grande Onda de Kanagawa” do artista japonês Hokusai. Contudo, Carver encontrou uma maneira de produzir esse azul a partir de materiais locais, um feito que, embora impressionante, nunca foi comercializado.

A trajetória de Carver inclui inúmeras invenções, mas sua patente relacionada a pigmentos e tintas acabou esquecida, perdendo-se entre milhões de outros registros em arquivos históricos. O azul de Carver foi visto apenas por um número restrito de pessoas que tiveram a oportunidade de observar suas obras nas paredes da Universidade de Tuskegee, a escola historicamente negra onde ele ensinou. Contudo, em uma reviravolta significativa, Amanda Williams decidiu reviver esse legado artístico ao longo dos últimos três anos, utilizando sua formação como artista e arquiteta para trazer o azul de Carver de volta à vida.

Na visão de Williams, Carver não apenas produziu uma cor, mas explorou oportunidades criativas que refletiam seu contexto social. “Geralmente, a produção do azul é sintética… mas ele foi capaz de extrair esse ingrediente abundante do solo ao seu redor”, explicou Williams em uma conversa por vídeo. O que é fascinante sobre o trabalho de Carver é que ele acreditava no potencial transformador da cor na vida cotidiana das populações pobres no sul dos Estados Unidos, justamente o que Williams está tentando resgatar e amplificar em seu projeto.

Reconhecendo que Carver tinha uma prática artística menos conhecida, onde ele próprio expôs uma de suas pinturas na Feira Mundial de Chicago em 1893, Williams se questionou sobre a decisão de Carver de patentear um processo relacionado à produção de pigmentos, ao invés de outras de suas inovações. Isso a levou a investigar essa questão em bibliotecas e comchemistas da Universidade de Chicago, onde fez colaborações para atualizar e reproduzir a fórmula de Carver.

Em uma celebração das contribuições de Carver, mas também uma reflexão sobre a história e tudo que a cor pode transmitir, tornou-se possível ver a obra de Williams em dois locais arquitetônicos emblemáticos da história afro-americana. Durante a trienal Prospect.6, realizada em Nova Orleans, Williams pintou uma estrutura artística na Xavier University e uma casa estilo “shotgun” no Museu Africano Americano de Nova Orleans, utilizando o azul de Carver. Essas intervenções não são apenas um tributo à capacidade de Carver, mas também uma afirmação da inovação e resiliência da comunidade preta.

A casa estilo “shotgun” é um símbolo cultural significativo, representando um legado de autodeterminação, sendo uma escolha rica para a aplicação do azul. Através de cada pincelada, Williams está tecendo um fio narrativo que une suas próprias raízes no sul, incluindo uma conexão pessoal ao usar solo de Montgomery, Alabama, compartilhado por sua família.

A discussão sobre a cor e sua relação com a raça e a inequidade é um tema central na obra de Williams. Ela destaca como Carver usou a cor como uma ferramenta para realçar e dignificar as casas das pessoas mais necessitadas, sublinhando um desejo de autonomia e prosperidade, uma luta que ele também expressou através de seus incentivos a agricultores locais. Para Williams, a cor se torna uma forma de transformação, especialmente em áreas que enfrentam problemas sistêmicos, como os campos na parte sul de Chicago.

Curtindo a ideia de que a cor pode ser um sinal de alegria e não apenas um meio de apontar desigualdades, Williams visita a história com uma nova lente, colaborando com especialistas para explorar e ampliar as suas ideias. A apreensão sobre um legado que é ao mesmo tempo midiático e histórico oferece uma chance singular de conectar o passado com o presente, trazendo à tona o trabalho e as inovações de Carver, que muitas vezes sãoofuscados pelo foco em seu papel agrícola.

De agora até o final do evento trienal em fevereiro, as estruturas permanecem pintadas, mas o futuro do azul de Carver vai além disso. Williams discute a possibilidade de que a cor se torne um símbolo presente e duradouro, pontuando que a textura e a natureza eventual do tratamento poderiam ser usadas para estabelecer um novo futuro contextual. Como uma artista que deseja continuar esse diálogo, ela pondera sobre a persistência do azul de Carver e a forma como o legado de Carver pode ser elevado e apreciado no futuro.

Williams deixou claro que sua intenção é não só resgatar a história da cor, mas também perpetuar a memória de Carver como um artista e inventor consciente que explorou o potencial do azul. “Ele tinha um amor pela beleza e uma vontade de ver as vidas das pessoas transformadas através dela”, finaliza.

Edifício de artes na Universidade Xavier pintado em azul Carver.

Edifício de artes na Universidade Xavier pintado em azul Carver. Crédito: Tom Harris/Amanda Williams LLC

Assim, o trabalho de Amanda Williams não só ressuscita a história esquecida de George Washington Carver, como também projeta um olhar de esperança e transformação para o futuro, unindo e celebrando a rica tapeçaria da experiência negra na América através do poder da cor.

Similar Posts

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *