A recente decisão de Patrick Soon-Shiong, proprietário do Los Angeles Times, de implementar um “medidor de viés” baseado em inteligência artificial (IA) nas notícias do jornal gerou uma reação fervorosa entre os membros da redação e especialistas em mídia. A medida é apresentada como um esforço para oferecer aos leitores uma perspectiva mais equilibrada sobre as histórias, permitindo que eles visualizem “ambos os lados” de qualquer matéria. Com o lançamento programado para janeiro, esta iniciativa se insere em um contexto mais amplo de transformações que Soon-Shiong tem promovido desde que adquiriu o jornal em 2018.
O bilionário da biotecnologia, que anteriormente bloqueou a aprovação do Los Angeles Times para a candidatura de Kamala Harris, anunciou essa nova ferramenta ao comentar sobre a luta atual da mídia em separar realmente as notícias da opinião. Em uma conversa com Scott Jennings, comentarista político da CNN, Soon-Shiong expressou sua crença de que o “medidor de viés” poderá ajudar os leitores a identificar possíveis tendenciosidades nas fontes. Segundo ele, o medidor funciona com a mesma tecnologia de ID de IA que ele desenvolve desde 2010 para o setor de saúde, o que levanta perguntas sobre a eficácia de sua aplicação no jornalismo.
“Alguém poderia entender, enquanto lê, que a fonte do artigo tem algum nível de viés”, disse Soon-Shiong no podcast “Flyover Country”. Ele também enfatizou a necessidade de que os leitores não encontrem apenas a confirmação de suas opiniões, mas possam acessar uma visão mais ampla da discussão. Essa proposta imediatamente acendeu um debate nas redes sociais e nas salas de redação, e rapidamente se tornou um ponto de discórdia dentro da equipe do Times.
A controvérsia em torno das intenções de Soon-Shiong se intensificou quando a união que representa os funcionários do Los Angeles Times se manifestou fortemente contra suas declarações, acusando-o de sugerir que seus jornalistas não atuam de maneira imparcial sem fornecer provas concretas. A Los Angeles Times Guild, em nota, reiterou que os colaboradores do jornal se comprometem a seguir diretrizes éticas rigorosas, que enfatizam a precisão, a transparência e a busca honesta para entender todos os lados de uma questão.
A indignação cresceu também com a ocorrência de renúncias notáveis no Times, incluindo a do colunista de assuntos jurídicos Harry Litman, que em sua declaração afirmou que sua saída foi uma reação direta à conduta de Soon-Shiong. Ele caracterizou as mudanças no editorial como movimentos perigosos que favorecem uma linha editorial mais simpática a Donald Trump, afirmando que isso é inaceitável em meio a um ambiente político tão polarizado. Litman também comentou sobre a cultura de medo que permeia as redações atualmente e as consequências que essa postura poderia ter para a democracia.
Além de Litman, Kerry Cavanaugh, editora assistente da página editorial do Times, também anunciou sua saída. Fontes confiáveis indicam que Soon-Shiong começou a revisar os títulos de todas as opiniões publicadas, uma medida que muitos veem como uma tentativa de controlar a narrativa na publicação. O descontentamento entre os jornalistas foi exacerbado pela decisão controversa de bloquear uma possível endosse presidencial à Kamala Harris pouco antes da eleição, o que resultou na renúncia de vários membros da equipe editorial e no cancelamento de assinaturas por parte de milhares de leitores.
Notavelmente, isso reflete um panorama mais amplo dentro da mídia, onde a busca por um equilíbrio entre opiniões variadas e a manutenção da integridade jornalística se torna cada vez mais desafiadora. Logo após a vitória de Donald Trump, Soon-Shiong expressou seu desejo de reestruturar a equipe editorial, buscando incluir vozes mais conservadoras e centristas. Ele foi enfático ao afirmar que o conselho editorial anterior “tinha uma inclinação muito à esquerda”, e insistiu que, para alcançar um equilíbrio, é essencial incluir perspectivas alternativas.
As reformas que Soon-Shiong propõe têm gerado um debate intenso sobre os limites entre o editorial e o jornalismo imparcial. Ao se distanciar da abordagem tradicional, o proprietário do Times diz buscar criar uma ferramenta que beneficie os leitores, mas a verdadeira eficácia desse “medidor de viés” permanece uma questão a ser observada. À medida que o ambiente de notícias continua a evoluir drasticamente sob a pressão das mudanças políticas e sociais, a apresentação de dados e abordagens baseadas em IA pode alterar a maneira como as informações são consumidas, mas resta saber se isso será pelo bem maior do jornalismo.
Assim, a situação no Los Angeles Times serve não apenas como um exemplo das tensões existentes no jornalismo contemporâneo, mas também um reflexo das expectativas e preocupações mais amplas sobre a credibilidade da mídia e a responsabilidade de informar. Em um momento em que a desinformação se espalha rapidamente, a responsabilidade de fornecer notícias justas e equilibradas se torna mais crucial do que nunca.
Fonte: CNN
Referências adicionais: Diretrizes éticas do Los Angeles Times, Reestruturação do conselho editorial do LA Times.