Fang Li, diretor e cineasta, se deparou com uma história esquecida que remonta aos horrores da Segunda Guerra Mundial. Ele afirma que a razão pela qual a tragédia do Lisboa Maru, um navio cargueiro japonês, e os horrores enfrentados pelos 1.816 prisioneiros de guerra britânicos a bordo permaneceram obscurecidos por tanto tempo, pode ser atribuída à tirania da distância. O trágico incidente ocorreu em 1º de outubro de 1942, nas águas próximas à remota Ilha Dongji, situada a cerca de duas horas da costa da província leste de Zhejiang, na China.

O enredo que chegou até ele é angustiante. O Lisboa Maru foi torpedeado pelo submarino USS Grouper, e, enquanto a embarcação lentamente afundava, soldados japoneses trancaram os prisioneiros de guerra no porão do navio. Contudo, os prisioneiros conseguiram escapar e se lançaram ao mar, mas foram metralhados pelos japoneses até que pescadores locais chineses surgissem para salvá-los das águas. Finalmente, 384 homens sobreviveram enquanto 828 pereceram, seja no porão ou nas águas ao redor.

Após ouvir sobre essa história, por acaso, a vida de Li tomou um novo rumo. Sua busca por sobreviventes, testemunhas e familiares afetados por esses trágicos eventos levou mais de uma década, resultando na criação de The Sinking of the Lisbon Maru, um documentário que já arrecadou RMB 45 milhões (aproximadamente $6,2 milhões) nas bilheteiras da China, um feito surpreendente em um mercado onde documentários são frequentemente eclipsados por filmes de ficção.

Li utilizou como inspiração o livro quase desconhecido do historiador de Hong Kong, Tony Banham, que faz referência à tragédia. O trabalho se complementou com relatos orais coletados do Imperial War Museum, em Londres, além de encontros com os dois últimos sobreviventes do evento e as famílias dos falecidos e sobreviventes, incluindo os pescadores chineses que realizaram os resgates.

Neste documentário, que mistura imagens de arquivo da guerra com animações que recontam os eventos, os elementos essenciais são as pessoas e suas histórias pessoais que se inserem na narrativa maior. “Eu queria que o mundo os ouvisse”, diz Li. “Por tanto tempo essa história havia sido esquecida”, acrescenta ele.

O filme teve sua estreia no BFI em Londres e no Shanghai International Film Festival, continuando sua trajetória com exibições em festivais internacionais. Surpreendentemente, o filme foi apresentado pela China como sua submissão ao Oscar de Melhor Filme Internacional, mas foi rejeitado devido à predominância de diálogos em inglês. Com isso, Li já submeteu a produção para a seção de Melhor Documentário na Academia.

Entretanto, a recepção do público superou todas as expectativas. Após uma exibição em uma universidade na China, Li incentivou as pessoas a ligarem para seus pais e expressarem amor e carinho. Uma história ilustrativa é a de um jovem que, após ver o filme, teve a coragem de abraçar seu pai, evidenciando a emoção gerada pelo documentário e o impacto em muitas famílias. Isso não se restringe apenas a uma experiência cinematográfica, mas se torna um real catalisador para reavivar laços familiares e o valor da história. Isso explica como The Sinking of the Lisbon Maru conseguiu arrecadar RMB 45 milhões, com tantas famílias reconhecendo a importância de suas histórias pessoais.

Este documentário não apenas traz à tona uma história digna de ser contada, mas também nos faz refletir sobre a importância de preservar nossa memória coletiva, de ouvir os que foram afetados e de valorizar as experiências que moldaram nossa sociedade. Fang Li mostrou que a arte do cinema é profundamente poderosa e capaz de alterar vidas e conectar gerações.

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