A União Europeia (UE) anunciou, na última sexta-feira, um acordo de livre comércio que promete ser um marco monumental nas relações comerciais entre a Europa e a América do Sul. O acordo, que envolve Brasil, Argentina e três outras nações do Mercosur, conclui um longo processo de 25 anos de negociações que enfrentaram altos e baixos, incluindo a oposição significativa da França, que já se declarou disposta a tentar obstruir esse polêmico pacto. Este novo pacto se destaca por potencialmente criar uma das maiores zonas de livre comércio do mundo, abarcando um mercado de 780 milhões de pessoas que representa quase um quarto do produto interno bruto (PIB) global.
Os defensores do acordo em Bruxelas afirmam que a implementação desse pacto beneficiaria as empresas em aproximadamente 4,26 bilhões de dólares anualmente, eliminando tarifas sobre produtos de destaque como vinho italiano, carne de vaca argentina, laranjas brasileiras e carros da Volkswagen alemã. Não obstante, críticos na França, Países Baixos e outras nações com grandes indústrias de laticínios e carnes expressam suas preocupações, argumentando que o acordo exporia os agricultores locais a uma concorrência desleal e poderia causar danos ambientais substanciais.
No contexto do encontro do Mercosur, realizado no Uruguai, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, celebrou o acordo como um “marco verdadeiramente histórico”, especialmente em um cenário global caracterizado pelo aumento do protecionismo. Em suas declarações, Von der Leyen ressaltou que “ventos fortes sopram na direção oposta, em direção ao isolamento e à fragmentação, mas este acordo é nossa resposta clara a isso”, fazendo referência às promessas do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, de proteger os trabalhadores e produtos americanos.
Entretanto, sob a pressão de uma potente e barulhenta lobby agrícola nacional, o presidente francês Emmanuel Macron qualificou o acordo como “inaceitável” nas condições atuais. Macron afirmou que os governos ainda não receberam “o resultado final” das negociações. “O acordo não foi assinado nem ratificado. Este não é o fim da história”, afirmou o escritório do presidente francês, enfatizando a necessidade de salvaguardas adicionais para os agricultores e compromissos em relação ao desenvolvimento sustentável e controle de saúde. Para que a França consiga bloquear o acordo, ela deverá contar com o suporte de outros três Estados membros da UE que representem, pelo menos, 35% da população do bloco.
O governo francês, que tem mobilizado outros países a se opor ao pacto, listou nações como Áustria, Bélgica, Itália, Países Baixos e Polônia como preocupadas com as implicações do acordo. Para que o pacto entre em vigor, também deve receber o endosse do Parlamento Europeu. Em um apelo direcionado aos seus “colegas europeus” e, de maneira especial, aos céticos franceses, Von der Leyen assegurou que o acordo beneficiaria 60.000 empresas por meio de reduções tarifárias, procedimentos aduaneiros simplificados e acesso preferencial a matérias-primas, atualmente fornecidas pela China.
Com sua promessa de que “isso criará enormes oportunidades de negócios”, Von der Leyen também se dirigiu aos agricultores europeus preocupados com um influxo de importações alimentares baratas que poderiam ameaçar suas fontes de renda. O fato de que os países sul-americanos não precisam seguir os mesmos padrões de tratamento animal e uso de pesticidas é uma preocupação crescente. Von der Leyen garantiu que “ouvimos vocês, ouvimos suas preocupações e estamos agindo com base nelas”. Nos últimos meses, a indignação em relação às regras ambientais, aos custos crescentes e às importações não regulamentadas gerou massivas manifestações de agricultores por toda a Europa.
Os líderes de ambos os lados do Atlântico, que há muito tempo defendem o acordo, aplaudiram o anúncio, considerando-o uma vantagem significativa para as indústrias exportadoras. Este acordo marca o primeiro grande pacto comercial do Mercosur, que abrange Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e, mais recentemente, Bolívia. O bloco, até agora, havia conseguido fechar acordos de livre comércio apenas com Egito, Israel e Singapura. O chanceler alemão Olaf Scholz expressou otimismo, ressaltando que “um importante obstáculo para o acordo foi superado”, antecipando lucros para a prestigiada indústria automobilística da Alemanha.
O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, descreveu o pacto como “uma ponte econômica sem precedentes”. Durante a cúpula do Mercosur, realizada na capital do Uruguai, Montevidéu, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva elogiou o acordo como um “texto moderno e equilibrado que reconhece as credenciais ambientais do Mercosur”. Ele enfatizou que “estamos garantindo novos mercados para nossas exportações e fortalecendo os fluxos de investimento”. A Agência Brasileira de Promoção de Comércio e Investimentos projeta que o pacto deve aumentar as exportações do Brasil para a Europa em 7 bilhões de dólares.
O presidente libertário Javier Milei, da Argentina, descreveu o acordo como alinhado aos seus princípios de livre mercado. O otimismo dos argentinos é evidente, principalmente pela expectativa de venda crescente de carne bovina e produtos agrícolas na UE. Este pacto é o resultado de 25 anos de negociações meticulosas, que começaram em uma cúpula do Mercosur no Rio de Janeiro em 1999. As discussões muitas vezes desmoronaram devido a diferenças em prioridades econômicas, padrões regulatórios e políticas agrícolas, além de tendências protecionistas que repetidamente minaram as esperanças de um acordo.
O momentum para o pacto começou a ganhar força em 2016, quando o ex-presidente Trump impôs tarifas severas à Europa. Ao mesmo tempo, governos favoráveis ao mercado começaram a se consolidar nas maiores economias da América do Sul, Brasil e Argentina, que permaneceram isoladas por anos. A em junho de 2019, os negociadores anunciaram um acordo que previa reduções tarifárias e compromissos com padrões ambientais. Contudo, este pacto nunca foi implementado, em grande parte devido à administração do ex-presidente Jair Bolsonaro no Brasil, que enfrentou níveis recordes de desmatamento na Amazônia, levando os governos da UE a exigirem critérios de sustentabilidade mais rigorosos. Adicionalmente, um novo governo protecionista de esquerda na Argentina também se opôs ao acordo.
Recentemente, a situação política se altera novamente, especialmente em 2023, quando Lula assumiu a presidência com promessas de conter o desmatamento ilegal, dissipando receios de que o acordo pudesse acelerar a destruição das florestas. Em contrapartida, Milei no comando da Argentina busca abrir a economia do país, que há muito tempo é vista como fechada e em crise. Embora o acordo tenha sido anunciado como um grande passo, é importante que os envolvidos estejam cientes de que a ratificação pode levar anos, seguindo o exemplo de acordos anteriores da UE.
Milei, ao comentar sobre o acordo, celebrou a conquista, mas reconheceu que ainda está longe de se tornar uma realidade. É importante lembrar que em 2016, a UE e o Canadá assinaram um pacto conhecido como Acordo Abrangente de Comércio e Investimento (CETA), mas o processo de aprovação continua a ser lento e penoso. Por exemplo, o parlamento alemão demorou dois anos para aprovar esse acordo. Recentemente, o senado francês rejeitou-o em março deste ano.
Em meio a essa complexa teia de negociações e interesses, Brian Winter, vice-presidente do Council of the Americas, ressaltou a ceticismo suburbano incorporado nos participantes de negociações passadas, afirmando que “qualquer um que tenha memória é cético”. O processo é frequentemente acompanhado de declarações triunfantes sobre conquistas, apenas para que anomalias surjam posteriormente, levando a um ciclo contínuo de expectativas e realidades que diferem consideravelmente.