O mais recente lançamento da Netflix, Black Doves, tem quebrado as barreiras dos thrillers espiões, unindo ação intensa a um enredo emocional que envolve temas natalinos. Dentre os aspectos mais intrigantes da série, uma pergunta se destaca: por que Sam Young, interpretado por Ben Whishaw, decidiu não eliminar Hector Newman, papel de Luther Ford, na primeira oportunidade que teve em 2017? A resposta para esta indagação tem implicações abrangentes que reverberam ao longo de toda a narrativa, levantando questões sobre moralidade, compaixão e as consequências de nossas escolhas.
A série, que retrata não apenas espionagem, mas também a complexidade das relações pessoais, recebeu críticas extremamente positivas, alcançando a impressionante marca de 100% no Rotten Tomatoes. A crítica destaca a habilidade do enredo em mesclar ação emocionante e conexões emocionais genuínas, criando uma atmosfera que cativa os espectadores. No entanto, este dilema moral envolvendo Sam e Hector lança uma sombra sobre os eventos que se desenrolam na série, resultando em problemas que poderiam ter sido evitados.
Para contextualizar, Sam foi contratado por Lenny Lines, interpretada por Kathryn Hunter, para eliminar os irmãos Newman, incluindo o jovem Hector. Entretanto, em um ato de misericórdia, Sam se recusou a puxar o gatilho ao se deparar com Hector, o que levou a uma série de complicações para ele e outros personagens ao longo da narrativa. A decisão de Sam não apenas tornou sua vida mais difícil – culminando em uma tentativa de assassinato contra ele por parte de Hector anos depois – como também gerou uma espiral de desgraças que moldaram o que se tornou uma intensa luta moral. À luz das reviravoltas dramáticas da trama, muitos se perguntam por que um triggerman não cumpriu uma ordem tão simples, mas, nos fundamentos da narrativa, existem razões que tornam essa escolha fascinante.
Uma das razões mais claras para Sam não ter matado Hector em sua primeira oportunidade é que, em 2017, Hector ainda era uma criança. Para muitos que operam sob o manto da criminalidade, essa pode não ser uma justificativa convincente para deixar um “serviço” inacabado. Contudo, para Sam, o ato de assassinar uma criança era completamente inaceitável. Este princípio moral foi fortificado pelos ensinamentos de seu pai, que lhe dizia que “todo trabalho no mundo tem um código” e que “o que quer que você faça, há um jeito certo e um jeito errado”. Para Sam, eliminar um garoto representava o jeito errado de agir, mesmo em um contexto tão brutal quanto o das relações de gangues.
Além disso, a influência dos ensinamentos paternos pode ser vista em outra declaração que Sam fez em relação ao seu trabalho: ele afirmava que “nunca puxou um gatilho que não melhorasse o mundo”. Embora, ao longo da narrativa, Sam descubra que seu ato de clemência em relação a Hector não resultou na melhora de suas vidas, ele estava convencido de que matar o garoto apenas perpetuaria um ciclo de violência. Vale lembrar que, ao se recusar a cumprir a ordem, Sam já estava abrindo mão de uma parte significativa de sua segurança, criando conflitos que se desdobrariam ao longo de toda a série.
Com o desenrolar da trama na primeira temporada de Black Doves, Sam se vê diante de mais oportunidades para matar Hector, agora já um gangster adulto. Entretanto, mesmo em momentos de tensão extrema, Sam não conseguiu se livrar de sua visão do menino inocente que decidiu poupar anos atrás. Essa conexão emocional, inegavelmente profundamente enraizada, fez com que Sam permanecesse fiel aos seus princípios, mesmo quando pressionado a agir de maneira contrária a eles. A crença persistente de Sam de que ainda havia uma centelha de inocência dentro de Hector dificultou ainda mais a realização de um ato que ele acreditava que não melhoraria a conjuntura do mundo em que vivia.
Essa luta interna de Sam Young espelha um dilema maior, presente não apenas em histórias de ficção, como Black Doves, mas na vida real, onde decisões morais frequentemente têm repercussões além do que podemos imaginar. Sam, um personagem de coração quente e mãos manchadas de sangue, personifica a complexidade das interações humanas em cenários onde o certo e o errado muitas vezes não são claros. Sua jornada, envolvendo escolhas sobre eliminar vidas ou preservar a esperança de redenção, é emblemática das questões que todos enfrentamos, especialmente em ambientes tão intensos e sombrios quanto aqueles em que os espiões operam.
Ao final da primeira temporada, a expectativa é palpável. Os espectadores se perguntam se Sam, novamente confrontado comissionalmente com sua história e seu conceito de moralidade, buscará uma resolução ou se seus laços com o passado o prenderão a uma decisão até então não realizada. Black Doves se destaca não apenas como um thriller cheio de tensão, mas como um estudo profundo sobre a condição humana, repleto de perguntas que se articulam em torno da decisão mais simples e, ao mesmo tempo, mais complexa de todas: a escolha entre a vida e a morte.