A história da Síria é marcada por crises políticas, guerras e intervenções estrangeiras, que moldaram não apenas o seu destino, mas também o da região. Recentemente, os eventos se intensificaram, com uma rápida mudança nas circunstâncias do país, resultado aparentemente de conflitos distantes. Neste contexto, a ascensão inesperada da oposição síria, impulsionada por fatores externos, lança uma nova luz sobre o futuro da nação. Porém, o que se pode esperar em termos de estabilidade, política e governança?
A rápida mudança no cenário sírio, adversa e ao mesmo tempo repleta de oportunidades, é provocada por duas guerras, uma proximamente localizada e outra distante, que influenciam, direta ou indiretamente, o que acontece dentro das fronteiras sírias. O avanço relâmpago da oposição, até o momento desconhecido, coloca aliados dos Estados Unidos em uma posição incómoda, pois observam a emergência de uma força islâmica que tomou controle significativo da Síria. O quão longe isso pode ir é uma questão que permanece sem resposta, mas a situação evolui rapidamente.
Durante as últimas duas décadas, a Síria absorveu uma enorme quantidade de “oxigênio diplomático”, sendo um ponto central na geopolítica do Oriente Médio. Com a invasão do Iraque em 2003, os EUA enfrentaram a difícil tarefa de encontrar uma política que atendesse às diversas necessidades de aliados como Israel, Jordânia e Turquia. A Síria, com seu rico contexto geopolítico, sempre foi uma figura complicada, conectando o petróleo do Iraque ao Mediterrâneo e alinhando os interesses xiitas do Iraque e Irã com o Líbano e a Turquia. Desde a administração Bush, que a incluiu no chamado “Eixo do Mal”, até as interações mais hesitantes de Obama e a abordagem direta de Trump, o país tornou-se um enigma diplomático sem solução clara.
Sob o regime brutal de Bashar al-Assad, a Síria experienciou décadas de repressão e caos. Cidades como Hama, Homs e Damasco foram palco de massacres e atrocidades. O histórico sombrio inclui o cerco de Homs em 2012, que resultou em uma grave crise humanitária, e o uso de armas químicas em Ghouta, que chocou o mundo em 2013. A ascensão e queda do grupo extremista ISIS entre 2014 e 2017 trouxe ainda mais sofrimento. Agora, com a nova dinâmica surgindo, a esperança de um futuro livre do autoritarismo pode estar no horizonte, embora o custo dessa mudança ainda seja incerto.
A situação atual de Assad não é apenas uma consequência do que ocorreu em sua própria terra, mas também do que acontece em lugares como Beirute e Donetsk. Sem o forte suporte militar da Rússia e do Hezbollah, Assad parece estar à beira de um colapso. A questão levantada por essa transformação repentina é como os Estados Unidos e seus aliados irão responder. A ineficácia da Rússia em proteger Assad leva a um cenário incerto; o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, pareceu confuso ao abordar a situação, indicando que é difícil prever o futuro. Isso demonstra um enfraquecimento na posição que outrora a Rússia ocupava como um suporte sólido para Assad.
Com a escalada do conflito entre Israel e Hezbollah, a manutenção do regime de Assad se torna ainda mais desafiadora. Iranianos também enfrentam dificuldades, e suas promessas de apoio ao regime sírio são absorvidas em meio a eventos dramáticos que os enfraquecem. É em momentos assim, quando as principais potências regionais parecem incapazes de se posicionar, que uma nova oportunidade para a Turquia surge. O governo de Erdogan se aproveita do vácuo criado por aliados de Assad que não podem ou não estão dispostos a intervir de forma eficaz. A Turquia, que abriga milhões de refugiados sírios e observa os desenvolvimentos com cautela, está pronta para atuar, tentando manobrar a situação a seu favor em um cenário regional em mudança.
O avanço das Forças de Tahrir al-Shams, um grupo predominantemente islâmico, demonstra que há uma liderança coordenada e estratégica no que se refere à promoção de um novo regime político na Síria. Estas forças abrangem a diversidade étnica da Síria, prometendo uma nova sociedade que considere todos os cidadãos igualmente. Enquanto a Turquia, um membro da OTAN, parece se alinhar de alguma forma com essas forças, resta saber qual será a consequência a longo prazo dessa situação.
As incertezas em torno da administração do novo governo também estão presentes. Quais serão as repercussões da colaboração implícita entre a Turquia e o HTS, grupo que tem raízes na ala radical da Al-Qaeda? A resposta é complicada, visto que a evolução de militantes extremistas nem sempre indica uma transformação benéfica. Com a queda repentina de Assad, novas ramificações podem gerar um futuro conturbado, já que a história mostra que a ascensão à governança pode ser difícil para grupos que emergem de contraculturas extremistas.
Perante a situação atual da Síria, é difícil prever o que está por vir. A queda de Assad poderá abrir espaço para um novo tipo de governança que promova uma convivência pacífica entre os diversos grupos étnicos do país. As próximas semanas e meses serão decisivos para moldar o futuro da Síria. O que antes parecia um cenário de caos e repressão pode, possivelmente, transitar para uma nova era, embora com riscos associados à luta pelo poder e legitimidade.
Talvez a mudança que a Síria tanto precisava se torne uma realidade; um novo começo que suavize as feridas de anos de conflito. No entanto, a experiência dos últimos 13 anos demonstra que a paz é um conceito ilusório, frequentemente fora de alcance, e a capacidade de uma sociedade de se recuperar de um trauma tão profundo está em jogo. Assim, a compreensão da situação deve ir além do mero afastamento de um regime autocrático, envolvendo uma análise cuidadosa sobre o que poderá ser construído em seu lugar.
Em suma, a situação na Síria está em um ponto de inflexão. O impacto das guerras distantes começa a moldar não apenas sua política interna, mas a dinâmica regional de maneira ampla. Com decisões difíceis por parte dos líderes e uma população ansiosa por mudança, as implicações de cada movimento estratégico reverberarão em todo o mundo.